PERISTILO | Farei do sonhar-te o ser poeta


Farei do sonhar-te o ser poeta, e a minha prosa, quando fale a tua Beleza, terá melodias de poema, curvas de estrofes, esplendores súbitos como os dos versos imortais.

Versos, prosas que se não pensam escrever, mas sonhar apenas.

Criemos, ó Apenas-Minha, tu por existires e eu por te ver existir, uma arte outra do que toda a arte havida.

Do teu corpo de ânfora inútil saiba eu tirar a alma de novos versos e do teu ritmo lento de onda silenciosa saibam os meus dedos trémulos ir buscar as linhas pérfidas de uma prosa virgem de ser ouvida.

O teu sorriso vago e indo-se seja para mim símbolo — emblema visível do soluço calado do inúmero mundo ao saber-se erro e imperfeição.

As tuas mãos de tocadora de harpa me fechem as pálpebras quando eu morrer de ter dado a construir-te a minha vida. E tu, que não és ninguém, serás para sempre, ó Suprema, a arte querida dos deuses que nunca foram, e a mãe virgem e estéril dos deuses que nunca serão.


Título: PERISTILO | Farei do sonhar-te o ser poeta
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 507-d
Página: 477 - 478
Nota: [9-31, ms.];
Nota: Richard Zenith integra este texto no Grande Trecho 'PERISTILO' (Pessoa: 2012: 475-478).