Ler o Escrever - Usa LdoD-Arquivo(527)

Intervallo Doloroso


        L. do Des.    Int. Dol.

Nem no orgulho tenho consolação.
De quê orgulhar-me se não sou o
creador de mim-proprio. E mesmo
que haja em mim de que envai-
decer-me, quanto para me não
envaidecer.
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Jazo a minha vida. E nem sei
fazer com o sonho o gesto de
me erguer, tão até á alma estou
despido de saber ter um esforço.
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Os fazedores de systemas metaphysicos,
os             de explicações psycho-
logicas são ainda jovens no soffri-
mento. Systematizar, explicar
o que é senão             e construir? E
tudo isso — arranjar, dispôr,
organizar — o que é senão
esforço realizado — e quão desoladora-
mente isso é vida!

Pessimista — eu não o sou. Ditosos
os que conseguem traduzir para uni-
versal o seu soffrimento. Eu não
sei se o mundo é triste ou mau


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nem isso me importa, porque o que
os outros soffrem me é aborrecido e
indifferente. Logo que não chorem ou
gemam, o que me irrita e incommo-
da, nem um encolher de hombros tenho —
tão fundo me pesa o meu desdem
por elles — para o seu soffrimento.

Mas eu quero crêr que a vida seja
meio luz meio sombras. Eu não sou
pessimista. Não me queixo do
horror da vida. Queixo-me do
horror da minha. O unico facto impor-
tante para mim é o facto de eu
existir e de eu soffrer e de não poder
sequer sonhar-me de todo para fóra de
me sentir soffrendo.

Sonhadores felizes são os pessimis-
tas. Formam o mundo á sua ima-
gem e assim sempre conseguem estar
em casa. A mim o que me doe
mais é a differença entre o ruido
e a alegria do mundo e a minha
tristeza e o meu silencio aborrecido.

A vida com todas as suas dores e receios e
solavancos deve ser boa e alegre, como


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uma viagem em velha diligencia para quem
vae acompanhado (e a pode vêr).

Nem ao menos posso sentir o
meu soffrimento como signal de
Grandeza. Não sei se o é. Mas eu
soffro com cousas tão reles, ferem-
me cousas tão banaes, que não ouso
insultar com essa hypothese a hypo-
these de que eu possa ter genio.

A gloria de um poente bello,
com a sua belleza: entristece-me nunca me alegra. Ante
elles eu digo sempre: como quem
é feliz se deve sentir contente ao ver
isto!


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E Este livro é um gemido. Escripto
elle já o não é o livro mais
triste que ha em Portugal.
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Ao pé da minha dôr todas as outras dores
me parecem falsas ou minimas. São
dores de gente feliz ou dores de gente
que vive e se queixa. As minhas são


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de quem se encontra encarcera-
do da vida, aparte...

Entre mim e a vida...

De modo que tudo o que angustia vejo.
E tudo o que alegra não sinto. E
reparei que o mal mais se vê que
se sente, a alegria mais se sente do que se vê.
Porque não-pensando, não vendo, certo
contentamento adquire-se, como o
dos mysticos e dos bohemios e dos
canalhas. Mas
todo o mal entra [em] casa pela janella da
observação e pela porta do pensamento.


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