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Millimetros


L. do Des.

Millimetros (sensações de cousas minimas).

Como o presente é antiquissimo, porque tudo, quando existiu foi presente,
eu tenho para as cousas, porque pertencem ao presente, carinhos de anti-
quario, e furias de colleccionador precedido para quem me tira os meus erros
sobre as cousas com plausiveis, e até verdadeiras, explicações scientificas
e baseadas.

As varias posições que uma borboleta que vôa occupa successivamente no es-
paço são aos meus olhos maravilhados varias cousas que ficam no espaço vi-
sivelmente. As minhas reminiscencias são tão vividas que          

Mas só as sensações minimas, e de cousas pequenissimas, é que eu vivo in-
tensamente. Será pelo meu amôr ao futil que isto me acontece. Pode ser que
seja pelo meu escrupulo no detalhe. Mas creio mais — não o sei, e estas
são as cousas que eu nunca analyso — que é porque o minimo, por não ter ab-
solutamente importancia nenhuma social ou practica, tem, pela mera ausencia
d'isso, uma independencia absoluta de associações sujas com a realidade. O
minimo sabe-me a irreal. O inutil é bello porque é menos real que o u-
til, que se continúa e prolonga, ao passo que o maravilhoso futil, o glo-
rioso infinitesimal fica onde está, não passa de ser o que é, vive liberto
e independente. O inutil e o futil abrem na nossa vida real intervallos de
esthetica humilde. Quanto não me provoca na alma de sonhos e amorosas deli-
cias a mera existencia insignificante dum alfinete pregado numa fita! Triste


de quem não sabe a importancia que isso tem!

Depois, entre as sensações que mais penetrantemente doem até serem agra-
daveis o desassocego do mysterio é uma das mais complexas e extensas. E o
mysterio nunca transparece tanto como na contemplação das pequeninas cousas,
que, como se não movem, são perfeitamente translucidas a elle, que param
para o deixar passar. É mais difficil ter o sentimento do mysterio contem-
plando uma batalha, e comtudo pensar no absurdo que é haver gente, e socie-
dades e combates d'ellas é do que mais pode desfraldar dentro do nosso pen-
samento a bandeira de conquista do mysterio — do que deante da contemplação
duma pequena pedra parada numa estrada, que, porque nenhuma idéa provoca a-
lém da de que existe, outra idéa não pode provocar, se continuarmos pensando,
do que, immediatamente a seguir, a do seu mysterio de existir.

Bemditos sejam os instantes, e os millimetros, e as sombras das pequenas cou-
sas, ainda mais humildes do que ellas! Os instantes          
Os millimetros — que impressão de assombro e ousadia que a sua existencia
lado a lado e muito approximada numa fita metrica me causa. Ás vezes soffro
e góso com estas cousas. Tenho um orgulho tosco nisso.

Sou uma placa photographica prolixamente impressionavel. Todos os detalhes
se me gravam desproporcionadamente e haver (a fazerem parte de) um todo. Só
me occupa de mim. O mundo exterior é-me sempre evidentemente sensação. Nunca
me esqueço de que sinto.