O prazer de nos elogiarmos a nós próprios


O prazer de nos elogiarmos a nós próprios...

As mulheres contemporâneas tais arranjos do seu porte e do seu vulto talham, que dão uma dolorosa impressão de efémeras e de insubstituíveis...

Os seus (...) e adereços tais as pintam e coloram, que mais decorativas se tornam do que carnalmente viventes. Frisos, painéis, quadros — não são, na realidade de vistos, mais do que tanto...

O mero voltear dum xaile para cima dos ombros usa hoje mais consciência à visão do gesto em quem o faz do que antigamente. Dantes o xaile era /parte do traje/; hoje é um detalhe revelador de intuições de puro /gozo estético/.

Assim, nestes nossos dias, tão vívidos através de fazerem tudo arte, tudo arranca pétalas ao consciente e se integra (...) em volubilidades de estético.

Trânsfugas de quadros não-feitos essas figuras femininas todas... Há por vezes detalhes a mais nelas... Certos perfis existem com exagerada nitidez. Brincam a irreais pelo excesso com que se separam, linhas puras, do ambiente fundo.


Título: O prazer de nos elogiarmos a nós próprios
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 464
Página: 375 - 376
Nota: [9-51, ms.];