Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas, como a minha, ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios.
Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele. Vivo mais porque vivo maior. Sinto na minha pessoa uma força religiosa, uma espécie de oração, uma semelhança de clamor.
Mas a reacção contra mim desce-me da inteligência... Vejo-me no quarto andar alto da Rua dos Douradores, sinto-me com sono; olho, sobre o papel meio escrito, a vida vã sem beleza e o cigarro barato que esquecido estendo sobre o mata-borrão gasto.
Aqui eu, neste quarto andar, a interpelar a vida! [,] a dizer o que as almas sentem!, a fazer prosa como os génios e os célebres! Aqui, eu, assim!...