Cada dia /da minha vida/


Cada dia /da minha vida/ é o dia mais infeliz da minha vida. Cada sonho é o sonho mais bello que eu /tive/.

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Quem sabe se a minha vida não é a minha morte, e se o meu desviver-me quando sonho, não é, ao ser um antegosto da morte, um antegosto da vida.

Se ás vezes penso com amorosa attenção em morrer, é só porque isso talvez me egualará a ti, me juntará a ti.

— Tu não tens carne... Serei eu a tua carne? Será a minha consciencia de ti uma consciencia estranha, como a que a carne de um corpo pode ter da alma que o /é/? Será a morte então a ☐

— Voz do silencio mysterioso que eu sou dentro de mim, olhar com que fito a m[inha] alma e a não vejo.

/penumbra pubere e sem rasto/

Desfolha-me lentamente sobre o teu collo... Dorme-me... Morre-me da tua vida. Eu não quero ser mais do que o arfar do teu seio quando respiras, do que o sorriso dos teus labios quando dormes e sonhas... Ser isto absolutamente e realmente, /consubstancialmente com isso,/ não sei porque impossivel realização em fatias de todos os meus sonhos teus.


Título: Cada dia /da minha vida/
Heterónimo: Não atribuído
Número: 550
Página: 502
Data: 11-09-1913 (medium)
Nota: [57-45r];
Nota: Jerónimo Pizarro edita este texto em apêndice, no conjunto "Textos sem destinação certa inventariados fora do núcleo" (2010: 490-516).