Edição do Arquivo LdoD - Usa (BNP/E3, 57-45)

Quem poz na minha voz


                                  11/9/1913

Quem poz põe na minha voz, mero som cavo,
    O milagre das palavras e da sua fórma
E o milagre maior do seu sentido?
    Minha voz, mero ruido,
Illumina-se por dentro...



Cada dia [da minha vida] é o dia mais infeliz da minha
vida. Cada sonho é o sonho mais bello que eu tive.


Quem sabe se a minha vida não é a
minha morte, e se o meu desviver -me quando
sonho, não é, ao ser um antegosto da
morte, um antegosto da vida.

Se ás vezes penso com amorosa attenção
em morrer, é só porque isso talvez me
egualará a ti, me juntará a ti.

— Tu não tens carne... Serei eu a tua
carne? Será a minha consciencia de ti
uma consciencia estranha, como a que a carne de
um corpo pode ter da alma que o é? Será
a morte então a


— Voz do silencio mysterioso que eu sou
dentro de mim, olhar com que fito
a minha alma e a não vejo.

[penumbra pubere e sem rasto]

Desfolha-me lentamente sobre o teu collo...
Dorme-me... Morre-me com a da tua vida.
Eu não quero ser mais do que o arfar do teu
seio quando respiras, do que o sorriso dos teus
labios quando dormes e sonhas... Ser isto absoluta-
mente e realmente, [consubstancialmente com isso,]
não sei porque impossivel realização em fatias
de todos os meus sonhos de ti.
                              (os meus sonhos teus).