Jacinto do Prado Coelho - edição anotada - Usa Jacinto do Prado Coelho(328)

Do estudo da metaphysica


Do estudo da metaphisica, (...) passei a occupações de espirito mais violentas para o equilibrio dos meus nervos. Gastei apavoradas noites debruçado sobre volumes de mysticos e de cabalistas, que nunca tinha paciencia para ler de todo de outra maneira que não intermitentemente tremulo e (...)

Os ritos e as razões [?] dos Rosa-Cruz, a symbolica (...) da Cabala e dos Templarios (...) — soffri durante tempos a approximação de tudo isso. E encheram a febre dos meus dias especulações venenosas, da razão demoniaca da metaphysica — a magia (...) a alchimia — extrahindo um falso estimulo vital de sensação dolorosa e presciente [?] de estar como que sempre à beira de saber um mysterio supremo. Perdi-me pelos systemas secundarios, excitados da metaphysica, systemas cheios de analogias perturbantes, de alçapões para a lucidez, pondo paysagens mysteriosas onde reflexos de sobrenatural acordam mysterios nos contornos.

Envelheci pelas sensações... Gastei-me gosando os pensamentos... E a minha vida passou a ser uma febre metaphysica, sempre descobrindo sentidos ocultos nas cousas, brincando com o fogo das analogias mysteriosas, procrastinando a lucidez integral, a synthese normal para se [...]

Cahí n'uma complexa indisciplina cerebral, cheia de indifferenças. Onde me refugiei? Tenho a impressão de que não me refugiei em parte nenhuma. Abandonei-me mas não sei a quê.

Concentrei e limitei os meus desejos, para os poder requintar melhor. Para se chegar ao infinito e julgo que se pode lá chegar, é preciso termos um porto, um só, firme, e partir de alli para Indefinido.

Hoje sou ascetico na minha religião [?] de mim. Uma chavena de café, um cigarro e os meus sonhos substituem bem o universo e as suas estrellas, o trabalho, o amor, até a beleza e a glória. Não tenho quasi necessidade de estimulos. Opio tenho-o eu na alma.

Que sonhos tenho? Não sei. Forcei-me por chegar a um ponto onde nem saiba já em que penso, em que sonho, o que visiono. Parece-me que sonho cada vez de mais longe, que cada vez mais sonho o vago, o impreciso, o invisionavel.

Não faço theorias a respeito da vida. Se ella é boa ou má não sei, não penso. Para meus olhos é dura e triste, com sonhos deliciosos de permeio. Que me importa o que ella é para os outros?

A vida dos outros só me serve para eu lhes viver, a cada um a vida que me parece que lhes convém no meu sonho.