Leitura Crítica 1 - Usa Jerónimo Pizarro(132)

Symphonia da noite inquieta


Symphonia da noite inquieta.

Os crepusculos nas cidades antigas, com tradições desconhecidas escriptas nas pedras negras dos edificios pesados; as antemanhãs tremulas nas campinas alagadas, pantanosas, humidas como o ar antes do sol; as viellas, onde tudo é possivel, as arcas pesadas nas salas vetustas; o poço ao fundo da quinta ao luar; a carta datada dos primeiros amores da nossa avó que não conhecemos; o môfo dos quartos onde se arrecada o passado; a espingarda que ninguem hoje sabe usar; a febre nas tardes quentes á janella; ninguem na estrada; o somno com sobresaltos; a molestia que alastra pelas vinhas; sinos; a magua claustral de viver... Hora de bençãos tuas mãos subtis... A caricia nunca vem, a pedra do annel sangra no quasi-escuro... Festas de egreja sem crença na alma: a belleza material dos santos toscos e feios, paixões romanticas na idéa de tel-as, a maresia, á noite entrada, nos caes da cidade humedecida pelo arrefecer...

Magras, tuas mãos alam-se sobre quem a vida sequestra. Longos corredores, e as frestas, janellas fechadas sempre abertas, o frio no chão como as campas, a saudade de amar como uma viagem por fazer ás terras incompletas... Nomes de rainhas antigas... Vitraes onde pintaram condes fortes... A luz matutina vagamente espalhada, como um incenso frio pelo ar da egreja concentrado no escuro do chão impenetravel... As mãos seccas uma contra a outra.

Os escrupulos do monge que, no livro antiquissimo encontra, nos algarismos absurdos, ensinamentos dos magos, e nas estampas decorativas os passos da Iniciação.

Praia ao sol a febre em mim... O mar luzindo a minha angustia na garganta... As velas ao longe e como andam na minha febre... Na febre as escadas para a praia... Calôr na briza fresca, transmarina, mare vorax, minax, mare tenebrosum — a noite escura lá longe para os argonautas e a minha testa a arder as caravellas primitivas...

Tudo é dos outros, salvo a magua de o não ter.

Dá a agulha a mim... Hoje faltam no seio de casa os seus passos pequenos e o não se saber onde ella está mettida, com que estará a lavrar, com pregas, com cores, com alfinetes... Hoje as as suas costuras estão fechadas para sempre em gavetas de correr na commoda — superfluas — e não ha o calôr de braços sonhados á roda do pescoço da mãe.