Não fizeram, Senhor


Não fizeram, Senhor, as vossas naus viagem mais primeira que a que o meu pensamento, na /derrota/ d'este livro, conseguiu. Cabo não dobraram, nem praia viram mais affastada, tanto da audacia dos audazes, como da imaginação dos /por ousar/, egual aos cabos que dobrei com a m[inha] meditação, e ás praias a que, com o meu ☐, fiz aportar o meu exforço.

Por vosso inicio, Senhor, se descobriu o Mundo Real; por meu o M[undo] Intellectual se descobrirá.

Arcaram os vossos argonautas com monstros e medos. Tambem, na viagem do meu pensamento, tive monstros e medos com que arcar. No caminho para o abysmo abstracto, que está no fundo das cousas, ha horrores, que passar, que os homens do mundo não imaginam, e medos que ter que a experiencia humana não conhece; é mais humano talvez o caminho para o logar indefinido do mar commum do que a senda abstracta para o vacuo do mundo.

Apartados do uso dos seus lares, exues do caminho das suas casas, viuvos para sempre da brandura de a vida ser a mesma, chegaram por fim os vossos emissarios, vós já morto, ao /extremo/ oceanico da Terra. Viram, no material, um novo ceu e uma terra nova.

Eu, longe dos caminhos de mim-proprio, cego da visão da vida que amo, ☐ cheguei por fim, tambem, ao extremo vazio das cousas, á borda imponderavel do limite dos entes, á porta sem logar do abysmo abstracto do Mundo.

Entrei, Senhor, essa Porta. Vaguei, Senhor, por esse mar. Fitei, Senhor, esse abysmo que se não pode ver.

Ponho esta obra de Descoberta suprema na invocação do vosso nome portuguez, creador de argonautas.


Título: Não fizeram, Senhor
Heterónimo: Não atribuído
Número: 545
Página: 500
Data: 1918 (low)
Nota: [28-12];
Nota: Jerónimo Pizarro edita este texto em apêndice, integrado no conjunto "Textos sem destinação certa inventariados fora do núcleo" (2010: 490-516).