Hymno


            Hymno

Os que morrem pela Patria pelo Bem não morrem:
levanta-os a Patria a Terra nos braços para receberem
o beijo de Deus.

Todo o acto heroico, por incredulo e atheu que
seja o seu autor, é, de sua essência, divino.
Todo o acto heroico, por eunuco que seja o seu fado, pertence,
de sua
essencia, á verdade.

O divino exemplo dos heroes é uma
perpetua benção ás almas.

O heroe, ainda que impuro fôra, purifica-se
no fogo da morte do mal que tivesse e do que
a illusão o houvesse imperfeiçoado.

O heróe, pelo seu acto de heroismo, re-
nuncía á illusão do mundo, que manda
que se queira viver, e á           do mal,
que quér que todo o sacrificio e o risco do eu pre-
sente seja para goso e bem do eu futuro.
Participa portanto de Deus, vive em Deus,
vive Deus. Deus falla-nos astuciosamente


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na vida dos santos, na voz dos poetas e na morte dos heroes.
Ensina-nos, melhor que nenhuma toda a Biblia,
que nós não somos nada na nossa vida
pessoal de todos os dias; que só al-
guma cousa somos quando abdicamos
de nós, quando nos entregamos, a nós,
que somos a limitação e a morte, a Deus,
que é o infinito e a vida.

O unico verdadeiro sermão da montanha é
a cruz no alto do Calvario; a véra
communhão a da esponja de fel na ponta de uma lança; a unica
vida — o unico prazer — a morte dolorosa
do crucificado.

Estes heroes não morrem, nascem.
Morreram a carne para viver a alma.
O seu gesto foi violento        .
A sua alma morreu-lhes a sua carne. É
que arremessaram de si, com impeto, a
tunica do corpo, e sacudiram de seus
pés, á pressa, o pó das estradas da vida.


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Reconheceram — reconheçamos o seu acto
ainda que eles sorrissem ao agil-o
que a tunica da vida é uma mor-
talha, cada corpo um caixão; cada
lar humano um jazigo, de que a [ileg.] tem
a chave, no cemiterio

O heróe, ao ser heróe, não é o ser
que ama, ou amou, a carne; o seu acto de heróe
é todo espiritual.

Resa com o seu acto; unge-nos
com o seu exemplo; abençoa-nos com a
sua morte.

Aprendamos a comprehender os heroes, os santos e os poetas.
Não olhemos para o lado que lhes man-
cha os pés, porque pisam o chão da vida;
não ao pó que lhes acinzenta as vestes, porque


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é o vento do mundo que ergue a poeira das
fraquezas dos caminhos da desillusão.
O Heróe é o seu heroismo só; o Santo
é a hora em que ajoelha, é o gesto em
que dá o pão que lhe faz falta e
a veste que o escuda do frio; o Poeta
é apenas a sua obra.

Os meus olhos turvam-se de lagrimas;
a minha alma ajoelha e resa. O
que de poeta haja em mim fica-
lhes aos pés e lava-lh'os da poeira
do apparente Irreal, unge-os do óleo
espiritual que guardo no escrinio da
minha devoção. E quando me dizem,
chasqueando: guarda a tua compaixão e
a tua         para os pobres e para
os infelizes, eu sorrio, porque sei que foi assim que fallou Judas essa foi a observação
de Judas.


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Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (18.1cm X 11.4cm, 18.1cm X 11.4cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Sem marca LdoD
Manuscrito (pen) : Testemunho manuscrito a tinta preta, com revisões a lápis roxo.
Nota: , Texto escrito em recto e verso de duas folhas pautadas. Apenas Teresa Sobral Cunha inclui este texto no corpus do "Livro do Desassossego".
Fac-símiles: BNP/E3, 138A-44-44a.1 , BNP/E3, 138A-44-44a.2 , BNP/E3, 138A-44-44a.3 , BNP/E3, 138A-44-44a.4