Em sua essencia a vida é monotona


Em sua essencia a vida é monotona.
A felicidade consiste pois numa adaptação
razoavelmente exacta á monotonia da vida.
Tornarmo-nos monotonos é tornarmo-
nos eguais á vida; é, em suma,
viver plenamente. E viver plenamente é ser feliz.

Os illogicos doentes riem — de mau
grado, no fundo — da felicidade burgueza, da
monotonia da vida do burguez que vive
em regularidade putrida e          , da
mulher d'elle que se entretem no arranjo
da casa e se distrahe nas minucias
de cuidar dos filhos e falla das visitas e
dos conhecidos. Isto, porém, é que é a feli-
cidade. Parece, a principio, que as cousas
novas é que deviam dar prazer ao espirito;
mas as cousas novas são poucas e
cada uma d'ellas é nova só uma vez. Depois, a sensibilidade
é limitada e
não vibra independentemente.

Um excesso de cousas novas acaba por cançar, porque não ha sensibi-
lidade para acompanhar os estimulos d'ella.

Conformar-se com a monotonia é
achar tudo novo sempre. A visão burgueza
da vida é a visão scientifica; porque, com
effeito, tudo é sempre novo, e antes de este
hoje nunca houve este hoje.


Identificação: bn-acpc-e-e3-15-4-1-100_0013_6-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (27.6cm X 19.3cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Sem marca LdoD
Manuscrito (pencil) : Testemunho manuscrito a lápis, com revisões a tinta preta.
Nota: , Texto escrito no recto de uma folha inteira. Apenas Teresa Sobral Cunha inclui este texto no corpus do "Livro do Desassossego".
Fac-símiles: BNP/E3, 14(4)-6r.1