Text Mining - Usa Jacinto do Prado Coelho(70)

Tudo alli é quebrado


Tudo alli é quebrado, anonymo e impertencente. Vi alli grandes movimentos de ternura, que me pareceram revelar o fundo de pobres almas tristes; descobri que esses movimentos não duravam mais que a hora em que eram palavras, e que tinham raiz — quantas vezes o notei com a sagacidade dos silenciosos — na analogia de qualquer coisa com o piedoso, perdida com a rapidez da novidade da notação, e, outras vezes, no vinho do jantar do enternecido. Havia sempre uma relação systematizada entre o humanitarismo e a aguardente de bagaço, e foram muitos os grandes gestos que soffreram do copo superfluo ou do pleonasmo da sede.

Essas criaturas tinham todas vendido a alma a um diabo da plebe infernal, avarento de sordidezas e de relaxamentos. Viviam a intoxicação da vaidade e do ocio, e morriam mollemente, entre coxins de palavras, num amarfanhamento de lacraus de cuspo.

O mais extraordinario de toda essa gente era a nenhuma importancia, em nenhum sentido, de toda ella. Uns eram redactores dos principaes jornaes, e conseguiam não existir; outros tinham logares publicos em vista no annuario e conseguiam não figurar em nada da vida; outros eram poetas até consagrados, mas uma mesma poeira de cinza lhes tornava lividas as faces parvuas, e tudo era um tumulo de embalsamados hirtos, postos com a mão nas costas em posturas de vidas.

Guardo do pouco tempo que me estagnei nesse exilio da esperteza mental uma recordação de bons momentos de graça franca, de muitos momentos monotonos e tristes, de alguns perfis recortados no nada, de alguns gestos dados ás serventes do acaso, e, em resumo, um tedio de nausea physica e a memoria de algumas anedoctas com espirito.

Nelles se intercalavam, como espaços, uns homens de mais edade, alguns com ditos de espirito pregresso, que diziam mal como os outros, e das mesmas pessoas.

Nunca senti tanta sympathia pelos inferiores da gloria publica como quando os vi malsinar por estes inferiores sem querer essa pobre gloria. Reconheci a razão do triumpho porque os parias do Grande triumphavam em relação a estes, e não em relação á humanidade.