Uma das grandes tragedias da minha vida
L. do D.
Uma das grandes tragedias da minha vida — porem d'a-
quellas tragedias que se passam na sombra e no subterfugio —
é a de não poder sentir qualquer coisa naturalmente. Sou
capaz de amar e odiar, como todos, de, como todos, recear
e enthusiasmar-me; mas nem meu amor, nem meu odio, nem meu
receio, nem meu enthusiasmo, são exactamente aquellas mes-
mas
coisas que são. Ou lhes falta qualquer elemento, ou
se lhes accrescenta algum. O certo é que são qualquer ou-
tra coisa, e o que sinto não está certo com a vida.
Nos espiritos a que chamam calculistas — e a palavra
é muito bem delineada —, os sentimentos soffrem a delimi-
tação do calculo, do escrupulo egoista, e parecem outros.
Nos espiritos a que chamam propriamente escrupulosos, a
mesma deslocação dos instinctos naturaes se nota. Em mim
nota-se egual perturbação da certeza do sentimento, mas
nem sou calculista, nem sou escrupuloso. Não tenho des-
culpa para sentir mal. Por instincto desnaturo os instinc-
tos. Sem querer, quero erradamente.