Leitura Crítica 2 - Usa Jacinto do Prado Coelho(71)

Pobres diabos sempre com fome


Pobres diabos sempre com fome — ou com fome de almoço, ou com fome de celebridade, ou com fome das sobremesas da vida. Quem os ouve, e os não conhece, julga estar escutando os mestres de Napoleão e os instructores de Shakespeare.

Ha os que vencem no amor, ha os que vencem na politica, ha os que vencem na arte. Os primeiros teem a vantagem da narrativa, pois se pode vencer largamente no amor sem haver conhecimento celebre do que succedeu. É certo que, ao ouvir contar a qualquer d'esses individuos as suas Marathonas sexuaes, uma vaga suspeita nos invade, pela altura do septimo desfloramento. Os que são amantes de senhoras de titulo, ou muito conhecidas (são, aliás, quasi todos), fazem um tal gasto de condessas que uma estatistica das suas conquistas não deixaria serias e commedidas nem as bisavós dos titulos presentes.

Outros especializam no conflicto physico, e mataram os campeões de box da Europa numa noite de pandega, á esquina do Chiado. Uns são influentes junto de todos os ministros de todos os ministerios, e estes são aquelles de que menos ha que duvidar, pois não repugna.

Uns são grandes sadicos, outros são grandes pederastas, outros confessam, com uma tristeza de voz alta, que são brutaes com mulheres. Trouxeram-nas alli, a chicote, pelos caminhos da vida. No fim ficam a dever o café.

Ha os poetas, ha os (...)

Não conheço melhor cura para toda esta enxurrada de sombras que o conhecimento direito da vida humana corrente, na sua realidade commercial, por exemplo, como a que me surge no escriptorio da Rua dos Douradores. Com que allivio eu volvia d'aquelle manicomio de títeres para a presença real do Moreira, meu chefe, guarda-livros authentico e sabedor, mal vestido e mal tratado, mas, o que nenhum dos outros conseguia ser, o que se chama um homem...