Edição Teresa Sobral Cunha - Usa Teresa Sobral Cunha(578)

Para mim, se considero, pestes, tormentas


Para mim, se considero, pestes, tormentas, guerras são produtos da mesma força cega, operando uma vez através de micróbios inconscientes, outra vez através de raios e águas inconscientes, outra vez através de homens inconscientes. Um terramoto e um massacre não têm para mim diferença senão a que há entre assassinar com uma faca e assassinar com um punhal. O monstro imanente nas coisas tanto se serve — para o seu bem ou o seu mal, que, ao que parece, lhe são indiferentes — da deslocação de um pedregulho na altura ou da deslocação do ciúme ou da cobiça num coração. O pedregulho cai, e mata um homem; a cobiça ou o ciúme armam um braço, e o braço mata um homem. Assim é o mundo, monturo de forças instintivas, que todavia brilha ao sol com tons palhetados de ouro claro e escuro.

Para fazer face à brutalidade de indiferença, que constitui o fundo visível das coisas, descobriram os místicos que o melhor era repudiar. Negar o mundo, virar-se dele como de um pântano a cuja beira nos encontrássemos.

Negar como o Buda, negando-lhe a realidade absoluta; negar como o Christo, negando-lhe a realidade relativa; negar (...)

Não pedi à vida senão que ela me não pedisse nada.

À porta da cabana que não tive sentei-me ao sol que nunca houve, e gozei a velhice futura com o prazer de a não ter ainda. Não ter morrido ainda basta para os pobres da vida, e ter ainda a esperança para (...) contente com o sonho só quando não estou sonhando, contente com o mundo só quando sonho longe dele. Pêndulo oscilante, sempre movendo-se para não chegar, indo só para voltar, preso eternamente à dupla fatalidade de um centro e de um movimento inútil.