Leitura Crítica 1 - Usa Jacinto do Prado Coelho(456)

A liberdade é a possibilidade do isolamento


L. do D.

A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procural-os a necessidade de dinheiro, ou a necessidade gregaria, ou o amor, ou a gloria, ou a curiosidade, que no silencio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossivel viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espirito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo intelligente: não és livre. E não está contigo a tragedia, porque a tragedia de nasceres assim não é contigo, mas do Destino para si sòmente. Ai de ti, porém, se a oppressão da vida, ella propria te força a seres escravo. Ai de ti, se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penuria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragedia, e a que trazes contigo.

Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que faz o hermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se bastam pela força, mas não pelo desprezo d'ella.

A morte é uma libertação porque morrer é não precisar de outrem. O pobre escravo vê-se livre à força dos seus prazeres, das suas maguas, da sua vida desejada e contínua. Vê-se livre o rei dos seus dominios, que não queria deixar. As que espalharam amor vêem-se livres dos triumphos que adoram. Os que venceram vêem-se livres das victorias para que a sua vida se fadou.

Porisso a morte ennobrece, veste de galas desconhecidas o pobre corpo absurdo. É que alli está um liberto, embora o não quizesse ser. É que alli não está um escravo, embora elle chorando perdesse a servidão. Como um rei cuja maior pompa é o seu nome de rei, e que pode ser risivel como homem, mas como rei é superior, assim o morto pode ser disforme, mas é superior, porque a morte o libertou.

Fecho, cansado, as portas das minhas janellas, exclúo o mundo e um momento tenho a liberdade. Amanhã voltarei a ser escravo; porém agora, só, sem necessidade de ninguem, receoso apenas que alguma voz ou presença venha interromper-me, tenho a minha pequena liberdade, os meus momentos de excelsis.

Na cadeira, aonde me recosto, esqueço a vida que me opprime. Não me dóe senão ter-me doído.