Jacinto do Prado Coelho - edição anotada - Usa Jacinto do Prado Coelho(207)

Nem se sabe se o que acaba do dia


L. do D.

15-9-1931

Nem se sabe se o que acaba do dia é comnosco que finda em magua inutil, ou se o que somos é falso entre penumbras, e não ha mais que o grande silencio sem patos bravos que cahe sobre os lagos onde os juncos erguem a sua hirteza que desfallece. Não se sabe nada, nem a memoria resta das historias de infancia, algas, nem a caricia tarda dos céus futuros, brisa em que a imprecisão se abre lentamente em estrellas. A lampada votiva oscilla incerta no templo onde já ninguem anda, estagnam os tanques ao sol das quintas desertas, não se conhece o nome inscripto no tronco outrora, e os privilegios dos ignotos foram, como papel mal rasgado, pelas estradas cheias de um grande vento, aos acasos dos obstaculos que os pararam. Outros se desbruçarão da mesma janella que os outros; dormem os que se esqueceram da má sombra, saudosos do sol que não tinham; e eu mesmo, que ouso sem gestos, acabarei sem remorsos, entre juncos ensopados, enlameado do rio proximo e do cansaço frouxo, sob grandes outomnos de tarde, em confins impossiveis. E atravez de tudo, como um silvo de angustia nua, sentirei a minha alma por traz do devaneio — uivo fundo e puro, inutil no escuro do mundo.