Junta as mãos


L. do D.

Junta as mãos, põe-as entre as minhas e escuta-me, ó meu amôr.

Eu quero, fallando n'uma voz suave e embaladora, como a d'um confessor que aconselha, dizer-te o quanto a ancia de attingir fica aquém do que attingimos.

Quero rezar contigo, a minha voz com a tua attenção, a litania da /desesperança/.

Não ha obra de artista que não pudesse ter sido mais perfeita. Lido verso por verso, o maior poema poucos versos teria que não pudessem ser melhores, poucos episodios que não pudessem ser mais intensos, e nunca o seu conjunto é tão perfeito que o não pudesse ser muitissimo mais.

Ai do artista que repara para isto! que um dia pensa n'isto! Nunca mais o seu trabalho é alegria, nem o seu somno socego. É moço sem mocidade e envelhece descontente.

E para que exprimir? O pouco que se diz melhor fora ficar não dicto.

Se eu me pudesse compenetrar-me realmente de quanto a renuncia é bella, que dolorosamente feliz para sempre que eu seria!

Porque tu não amas o que eu digo com os ouvidos com que eu me oiço dizel-o. Eu proprio se me ouço fallar alto, os ouvidos com que me ouço fallar alto não me escutam do mesmo modo que o ouvido intimo com que me ouço pensar palavras. Se eu me erro, ouvindo-me, e tenho que perguntar tantas vezes, a mim proprio o que quiz dizer, os outros quanto me não entenderão!

— De quais complexas inintelligencias não é feita a comprehensão dos outros de nós.

A delicia de se ver comprehendido, não a pode ter quem se quér não comprehendido, porque só aos complexos e incomprehendidos isso acontece; e os outros, os simples, aquelles que os outros podem comprehender — esses nunca teem o desejo de serem comprehendidos.


Título: Junta as mãos
Heterónimo: Bernardo Soares
Volume: I
Número: 245
Página: 273 - 275
Nota: [4-86, ms.];