Edição do Arquivo LdoD - Usa (BNP/E3, 4-86)

Junta as mãos


                L. do Des.

Junta as mãos, põe-as entre as minhas e escuta-
me, ó meu amôr.

Eu quero, fallando n'uma voz suave e emabaladora,
como a d'um confessôr que aconselha, dizer-te
o quanto a ancia de attingir fica aquém do
que attingimos.

Quero rezar contigo, a minha voz com a tua
attenção, a litania da desesperança.

Não ha obra de artista que não pudera pudesse ter sido
mais perfeita. Lido verso por verso, o maior
poema poucos nenhuns versos tem que não pudessem ser
melhores, poucos nenhuns episodios que não pudessem ser
mais intensos, e nunca o seu conjunto é tão
perfeito que o não pudesse ser muitissimo immensamente mais.

Ai do artista que repara para isto!
que um dia pensa n'isto! Nunca mais o seu trabalho é
alegria, nem o seu somno socego. É moço sem mocidade
e envelhece descontente.

E para que exprimir? O pouco que se
diz melhor fôra ficar não dicto.

Se eu bem pudesse compenetrar -me realmente
de quanto a renuncia é bella, que dolorosa-
mente feliz para sempre que eu seria!

Porque Tu não amas o que eu digo com os ouvidos
com que eu me oiço dizel-o. Eu proprio se me
ouço fallar alto, os ouvidos com que me ouço
fallar alto não me escutam do mesmo modo que
o ouvido intimo com que me ouço pensar palavras.
Se eu me erro, ouvindo-me, e tenho que perguntar, tantas
vezes, a mim proprio, o que quiz dizer significa o que disse, os outros quanto
me não entenderão!


— De quão complexas inintelligencias não é
feita a comprehensão dos outros de nós.

A delicia de se vêr comprehendido, não a
pode ter quem se quêr vêr comprehendido,
porque só aos complexos e incomprehendidos
isso acontece; e os outros, os simples, a-
quelles que os outros podem comprehender —
esses nunca teem o desejo de serem com-
prehendidos.

Ninguem consegue....          Nada vale a pena.