Junta as mãos, põe-as entre as minhas


Junta as mãos, põe-as entre as minhas e escuta-me, ó meu amor.

Eu quero, falando numa voz suave e embaladora, como a dum confessor que aconselha, dizer-te o quanto a ânsia de atingir fica aquém do que atingimos.

Quero rezar contigo, a minha voz com a tua atenção, a litania da desesperança.

Não há obra de artista que não pudera ter sido mais perfeita. Lido verso por verso, o maior poema poucos versos tem que não pudessem ser melhores, poucos episódios que não pudessem ser mais intensos, e nunca o seu conjunto é tão perfeito que o não pudesse ser muitíssimo mais.

Ai do artista que repara para isto! que um dia pensa nisto! Nunca mais o seu trabalho é alegria, nem o seu sono sossego. É moço sem mocidade e envelhece descontente.

E para quê exprimir? O pouco que se diz melhor fora ficar não dito.

Se eu bem pudesse compenetrar-me realmente de quanto a renúncia é bela, que dolorosamente feliz para sempre que eu seria!

Porque Tu não amas o que eu digo com os ouvidos com que eu me ouço dizê-lo. Eu próprio se me ouço falar alto, os ouvidos com que me ouço falar alto não me escutam do mesmo modo que o ouvido íntimo com que me ouço pensar palavras. Se eu me erro, ouvindo-me, e tenho que perguntar, tantas vezes, a mim próprio o que quis dizer, os outros quanto me não entenderão!

De quão complexas ininteligências não é feita a compreensão dos outros de nós.

A delícia de se ver compreendido, não a pode ter quem se quer ver compreendido, porque só aos complexos e incompreendidos isso acontece; e os outros, os simples, aqueles que os outros podem compreender — esses nunca têm o desejo de serem compreendidos.

Ninguém consegue... Nada vale a pena.


Título: Junta as mãos, põe-as entre as minhas
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 328
Página: 310 - 311
Nota: [4-86, ms.];