A doçura de não ter familia


L. do D.

A doçura de não ter familia nem companhia, esse suave gosto como o do exilio, em que sentimos o orgulho do desterro esbater-nos em volupia incerta a vaga inquietação de estar longe — tudo isto eu góso a meu modo, indifferentemente. Porque um dos detalhes caracteristicos da minha attitude espiritual é que a attenção não deve ser cultivada exaggeradamente, e mesmo o sonho deve ser olhado do alto, com uma consciencia aristocratica d[e] o estar fazendo existir. Dar demasiada importancia ao sonho seria dar demasiada importancia, afinal, a uma coisa que se separou de nós proprios, que se ergueu, conforme poude, em realidade, e que, porisso, perdeu o direito absoluto á nossa delicadeza para com ella.

As figuras imaginarias teem mais relevo e verdade que as reaes.

O meu mundo imaginario foi sempre o unico mundo verdadeiro para mim. Nunca tive amores tão reaes, tão cheios de verve de sangue e de vida como os que tive com figuras que eu proprio criei. Que horas! Tenho saudades d'ellas, porque, como os outros, passam...


Título: A doçura de não ter familia
Heterónimo: Não atribuído
Número: 110
Página: 118
Data: 1915 (low)
Nota: [7-11];