O desgosto de não encontrar
O desgosto de não encontrar nada encontro comigo pouco a pouco. Não achei razão nem lógica senão a um scepticismo que nem sequér busca uma lógica para se defender. Em curar-me d'isto não pensei — porque me havia eu de curar d'isso. E o que era ser são? Que certeza tinha eu que esse estado de alma deve pertencer à doença? Quem nos affirma que, a ser doença, a doença não era mais desejavel, ou mais logica ou mais (...) do que a saúde? A ser a saúde preferivel, por que era eu doente se não por naturalmente o ser, e se naturalmente o era porque ir contra a Natureza, que para algum fim, se fim ela tem, me quereria decerto doente?
Nunca encontrei argumentos senão para a inércia. Dia a dia mais e mais se infiltrou em mim a consciencia sombria da minha inércia de abdicador. Procurar modos de inercia, apostar-me a fugir a todo o esforço quanto a mim, a toda a responsabilidade social — talhei nessa materia de (...) a estatua pensada da minha existencia.
Deixei leituras, abandonei casuaes caprichos de este ou aquelle modo esthetico da vida. Do pouco que lia aprendi a extrahir só elementos para o sonho. Do pouco que presenciava, apliquei-me a tirar apenas o que se podia, em reflexo /distante/ e [...], prolongar mais dentro de mim. /Esforcei-me/ porque todos os meus pensamentos, todos os capitulos quotidianos da minha experiencia me fornecessem apenas sensações. Criei à minha vida uma orientação esthetica. E orientei essa esthetica para puramente individual. Fil-a minha apenas.
Apliquei-me depois, no decurso procurado do meu hedonismo interior, a furtar-me às sensibilidades sociaes. Lentamente me couracei contra o sentimento do ridiculo. Ensinei-me a ser insensível quer para os apelos dos instintos, quer para as solicitações (...)
Reduzi ao minimo o meu contacto com os outros. Fiz o que pude para perder toda a affeição à vida, (...) Do proprio desejo da gloria lentamente me despi, como quem cheio de cansaço se despe para repousar.