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Do Prefácio às FICÇÕES DO INTERLÚDIO | Nestes desdobramentos de personalidade


Nestes desdobramentos de personalidade, ou, antes, invenções de personalidades diferentes, há dois graus ou tipos, que estarão revelados ao leitor, se os seguiu, por características distintivas. No primeiro grau, a personalidade distingue-se por ideias e sentimentos próprios, distintos dos meus, assim como, em mais baixo nível desse grau, se distingue por ideias, postas em raciocínio ou argumento, que não são minhas, ou, se o são, o não conheço. O Banqueiro Anarquista é um exemplo deste grau inferior; o Livro do Desassossego, e a personagem Bernardo Soares, são o grau superior.

Há o leitor de reparar que, embora eu publique o Livro do Desassossego como sendo de um tal Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa, o não incluí todavia nestas Ficções do Interlúdio. É que Bernardo Soares, distinguindo-se de mim por suas ideias, seus sentimentos, seus modos de ver e de compreender, não se distingue de mim pelo estilo de expor. Dou a personalidade diferente através do estilo que me é natural, não havendo mais que a distinção inevitável do tom especial que a própria especialidade das emoções necessariamente projecta.

Nos autores das Ficções do Interlúdio não são só as ideias e os sentimentos que se distinguem dos meus: a mesma técnica da composição, o mesmo estilo, é diferente do meu. Aí cada personagem é criada integralmente diferente, e não apenas diferentemente pensada. Por isso nas Ficções do Interlúdio predomina o verso. Em prosa é mais difícil de se outrar.