Ouviu-me ler os meus versos


Ouviu-me ler os meus versos — que nesse dia nessa occasião
li bem, porque me distrahi e disse-me,
com a simplicidade de uma lei natural:
"Você, assim, e com outra cara, seria
um grande fascinador"... A palavra "cara",
mais que a referencia que continha, ergueu-me
de mim pela gola que me não conheço do desconhecermo-nos. Vi o espelho
do meu quarto, o meu pobre rosto de mendigo
sem pobreza; e de repente o espelho virou-se afastou-se separou-se
e o espectro da Rua dos Douradores
abriu-se deante de mim como um
nirvana de carteiros.

A acuidade das minhas sensações
chega a ser uma doença que me é alheia.
Soffre-a outro de quem eu sou a parte doente,
porque verdadeiramente sinto como em dependencia
de uma maior capacidade de sentir. Sou
como um tecido especial, ou até uma
cellula, sobre a qual pesasse toda
a responsabilidade de um organismo.

Se penso, é porque divago; se sonho, é
porque estou disperto. Tudo em mim se
embrulha commigo, e não tem fórma de
saber de ser.


Identificação: bn-acpc-e-e3-28-1-101_0053_26_t24-C-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (36.6cm X 24.0cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Sem marca LdoD
Manuscrito (pen) : Testemunho manuscrito a tinta preta.
Data: 1930 (low)
Nota: , Texto escrito em recto de meia folha dobrada em bifólio. Os testemunhos identificados com as cotas 28-26 e 28-27 são duas metades de uma folha grande de papel dobradas em bifólio.
Fac-símiles: BNP/E3, 28-26r.1