Sou curioso de todos
Sou curioso de todos, avido de tudo,
voraz da idéa de ∧todas. Pesa-
me como a perda de a noção
que tudo não pode ser visto, nem
tudo lido, nem tudo pensado...
Mas não vejo attentamente ∧com attenção, nem
leio com importancia, nem penso
com proseguimento. Em tudo sou
um dilletante intenso e fruste.
A minha alma é fraca de mais
para ter sequer a força do seu
proprio enthusiasmo. Sou feito
∧das ∧ruinas ∧do inacabado, e é uma paisagem
de desistencias a que definiria o meu ser.
Divago, se me concentro; tudo
em mim é decorativo e
incerto, como um espectaculo
na bruma.
Esta tendencia carnal para
converter todo pensamento em expressão,
ou, antes, pensar como expressão
todo pensamento; de ver toda a emoção
em côr e fórma, e ∧até toda negação em
rhythmo,
─────
Escrevo com uma grande intensidade
de expressão; o que sinto nem sei o
que é. Sou metade somnambulo e
a outra parte nada.
A mulher que sou quando me conheço.
─────
O opio dos crepusculos regios
e a maravilha ∧deitada ∧ás escuras, á mão
que se desenrosca dos farrapos.
─────
Ás vezes é tam grande, tam
rapida, tam abundante a
fluencia concentrada de imagens
e de phrases certas que se me
desenrola no espirito desattento,
que raivo, estorço-me, choro de
ter que as perder — porque as
perco. Cada uma teve o seu
momento, e não pode ser lembrada
fóra d'elle. E fica-me,
como a um amoroso a saudade
de um rosto amavel entrevisto
e não fixado, a memoria do
meu ser como de mortos,
o debruçar-me sobre o abysmo de um
passado rapido de imagens e ideas,
figuras mortas ∧da bruma de que ellas
mesmas se formaram.
Fluido, ausente, inessen-
cial, perco-me de mim
como se me afogasse em
nada; sou transacto, e
esta palavra, que falla e
para, diz, tem, tudo.
O rhythmo da palavra,
a imagem que evoca, e o seu
sentido como idéa, junctos
necessariamente em qualquer palavra,
são para mim junctos com
separação. Só de pensar
uma palavra eu comprehen-
deria o conceito de Trindade.
Penso a palavra "innumero"
e escolho para exemplo porque é
abstracta e escusa. Mas se
a oiço no meu ser, rolam
grandes ondas com ∧sons que não
param no mar sem fim;
constellam-se em céus, e não é
de estrellas, mas da musica de todas
as ondas que os sons se constellam,
e a idéa de um infinito decorrente
abre-se-me, como uma bandeira desfraldada,
em estrellas com sons do mar, e a um
mar que reflecte todas as estrellas.
Que D. Sebastião venha pelo nevoeiro
não desdiz da historia. Toda a historia
vae e vem entre nevoas, e as
maiores batalhas de que se narram,
as maiores ∧pompas, ∧os mais
largos conseguimentos não são mais
que espectaculos na bruma, cortejos
na distancia do crepusculo e do
apagamento.
─────
A alma em mim é expressiva e
material. Ou estagno num não-ser
de linho sensivel, ou accordo, e se
accordo projecto-me em palavras
como se essas fôssem o abrir de olhos
do meu ser. Se penso, o pensamento
surge-me no proprio espirito com phrases,
seccas e rhythmadas, e eu não distingo
nunca bem se penso antes de o
dizer, se apenas depois de me ver a tel-o
dicto. Se dou por mim sonhado, ha
palavras logo em mim. Em mim toda
emoção é uma imagem, e todo sonho uma pintura
musicada. O que escrevo pode ser mau, mas é mais
em que o que penso... Assim por vezes o acredito...
Desde que vivo, narro-me, e o mais pequeno
dos meus tedios commigo, se me desbruço sobre elle,
desabrocha, por um magnetismo de ,
em flores de cores de musicaes abysmos.