Edição RZ - Usa Richard Zenith(365)

A loucura chamada afirmar


A loucura chamada afirmar, a doença chamada crer, a infâmia chamada ser feliz — tudo isto cheira a mundo, sabe à triste coisa que é a terra.

Sê indiferente. Ama o poente e o amanhecer, porque não há utilidade, nem para ti, em amá-los. Veste teu ser do ouro da tarde morta, como um rei deposto numa manhã de rosas, com Maio nas nuvens brancas e o sorriso das virgens nas quintas afastadas. Tua ânsia morra entre mirtos, teu tédio cesse entre tamarindos, e o som da água acompanhe tudo isto como um entardecer ao pé de margens, e o rio, sem sentido salvo correr, eterno para marés longínquas. O resto é a vida que nos deixa, a chama que morre no nosso olhar, a púrpura gasta antes de a vestirmos, a lua que vela o nosso abandono, as estrelas que estendem o seu silêncio sobre a nossa hora de desengano. Assídua, a mágoa estéril e amiga que nos aperta ao peito com amor.

Meu destino é a decadência.

Meu domínio foi outrora em vales fundos. O som de águas que nunca sentiram sangue regava o mundo dos meus sonhos. O copado das árvores do que esquece a vida era verde sempre nos meus esquecimentos. A lua era fluida como água entre pedras. O amor nunca veio àquele vale e por isso tudo ali era feliz. Mero sonho, sem amor, nem deuses em templos, passando entre a brisa e a hora una e sem que soubesse saudades das crenças mais bêbadas, mais escusas.