A loucura chamada affirmar


A loucura chamada affirmar, a doença chamada
crêr, a infamia chamada ser feliz — tudo isto
cheira a mundo, sabe á triste cousa que é a terra.

Sê indifferente. Ama o poente e o amanhecer,
porque não ha utilidade, nem para ti, em amal-os.
Veste teu ser do ouro da tarde morta,
como um rei deposto numa manhã de rosas,
com Maio nas nuvens brancas e o sorriso
das virgens nas quintas affastadas. Tua
ancia morra entre myrthos, teu tedio
cesse entre tamarindos, e o som da agua acompanhe
tudo isto como um entardecer ao pé de
margens, e o rio sem sentido salvo correr,
eterno para marés longinquas. O resto é
a vida que nos deixa, a chama que morre
no nosso olhar, a purpura gasta antes
de a vestirmos, a lua que vela o
nosso abandono, as estrellas que estendem o
seu silencio sobre a nossa hora de desengano.
Assidua, a magua esteril e amiga
que nos aperta ao peito com amôr.

[ileg.] Meu destino é a decadencia.


Meu dominio foi outrora em valles fundos. O
som de aguas que nunca sentiram sangue regava o
mundo dos meus sonhos. O copado das arvores do que
esquece a vida era verde sempre nos meus
esquecimentos. A lua era fluida como agua entre
pedras. O amor nunca veio áquelle valle e
porisso tudo alli era feliz. Mero sonho,
sem amor, nem deuses em templos, passando
entre a briza e a hora como o rei que
reclamasse soldados de crenças mais bebadas,
mais escusas.


Identificação: bn-acpc-e-e3-94-1-100_0181_89_t24-C-R0150 | bn-acpc-e-e3-94-1-100_0182_89v_t24-C-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (25.2cm X 22.1cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Sem marca LdoD
Manuscrito (pencil) : Testemunho manuscrito a lápis roxo.
Data: 1916 (low)
Nota: , Texto escrito em recto e verso de uma folha de papel. Na metade inferior do verso da folha existem várias anotações em inglês canceladas. Estas anotações (94-89v - ms.) são transcritas por Jerónimo Pizarro como Anexo ao texto 564.
Fac-símiles: BNP/E3, 94-89.1 , BNP/E3, 94-89.2