PERISTILO | Tu não existes, eu bem sei


I

Tu não existes, eu bem sei, mas sei eu ao certo se existo? Eu, que te existo em mim, terei mais vida real do que tu, do que a vida morta que te vive?

Chama diluída em parecer aureóla, presença ausente, silêncio rítmico e fêmea, crepúsculo de vaga carne, taça esquecida para o festim, vitral /pintado/ por um pintor-sonho numa Idade Média doutra Terra.

Cálice e hóstia de requinte casto, altar abandonado de santa ainda viva, corola de lírio sonhado do jardim onde nunca ninguém entrou...

És a única forma que não raia tédio porque és sempre mudável com o nosso sentimento, porque, como beijas a nossa alegria, embalas a nossa dor, e ao nosso tédio, és-lhe o ópio que conforta e o sono que descansa, e a morte que cruza e junta as mãos.

Anjo (...), de que matéria é feita a tua matéria alada? que vida te prende a que terra, a ti que és voo nunca erguido, ascensão estagnada, gesto de enlevo e de descanso?


Título: PERISTILO | Tu não existes, eu bem sei
Heterónimo: Vicente Guedes
Número: 7
Página: 52 - 54
Nota: [9-40, ms.];
Nota: Teresa Sobral Cunha integra este texto no conjunto 'PERISTILO' (2008: 51-54).