Quedar-nos-emos indiferentes à verdade ou mentira de todas as religiões, de todas as filosofias, de todas as hipóteses inutilmente verificáveis a que chamamos ciências. Tão-pouco nos preocupará o destino da chamada humanidade, ou o que sofra ou não sofra em seu conjunto. Caridade, sim, para com o "próximo" como no Evangelho se diz, e não com o homem, de que nele se não fala.
E todos, até certo ponto, assim somos: que nos pesa, ao melhor de nós, um massacre na China? Mais nos dói, ao que de nós mais imagine, a bofetada injusta que vimos dar na rua a uma criança.
Recomenda o Evangelho amor ao próximo: não diz amor ao homem ou à humanidade, de que verdadeiramente ninguém pode curar.
Caridade para com todos, intimidade com nenhum. Assim interpreta Fitzgerald, em um passo de uma sua nota,
qualquer coisa da ética do poeta persa, Mestre do desconsolo e da desilusão.
Perguntar-se-á talvez se faço minha a filosofia de Khayyam, tal como aqui, creio que com justeza, a escrevi de novo e interpreto. Responderei que não sei. Há dias em que essa me parece a melhor, e até a única, de todas as filosofias práticas. Há outros dias em que me parece nula, morta, inútil, como um copo vazio. Não me conheço, porque penso. Não sei pois o que verdadeiramente penso. Não seria assim se tivesse fé; mas também não seria assim se estivesse louco. Na verdade, se fosse outro seria outro.