Edição do Arquivo LdoD - Usa (BNP/E3, 1-5r)

Omar Khayyam | O tédio de Khayyam


Omar Khayyam.


O tedio de Khayyam não é o tedio de quem não sabe
o que faça, porque na verdade nada póde ou sabe fazer.
Esse é o tedio dos que nasceram mortos, e dos que legi-
timamente se orientam para a morphina ou a cocaina. É
mais profundo e mais nobre o tedio do sabio persa. É o
tedio de quem pensou claramente e viu que tudo era ob-
scuro; de quem mediu todas as religiões e todas as phi-
losophias e depois disse, como Salomão: "Vi que tudo
era vaidade e afflicções de animo",
ou como, ao despedir-se do poder e do mundo,
outro rei, que era imperador, nelle, Septimio Severo:
Omnia fui, nihil........, "Fui tudo; nada vale a pena".

A vida, disse Tarde, é a busca do impossivel atra-
vez do inutil; assim diria, se o houvesse dito, Omar
Khayyam.

De ahi a insistencia do persa no uso do vinho. Bebe!
Bebe! é toda a sua philosophia practica. Não é o beber da
alegria, que bebe porque mais se alegre, porque mais seja
ella mesma. Não é o beber do desespero, que bebe para es-
quecer, para ser menos elle mesmo. Ao vinho junta a ale-
gria a acção e o amor; e ha que reparar que não ha em
Khayyam nota alguma de energia, nenhuma phrase de amor.
Aquella Sàki, cuja figura gracil entrevista surge
(mas surge pouco) nos rubayat, não é senão a "rapariga
que serve o vinho". O poeta é grato à sua esvelteza como
o fôra à esvelteza da amphora, onde o vinho se contives-
se.

A alegria falla, do vinho, como o Deão Aldrich: ---

A philosophia practica de Khayyam reduz-se pois a
um epicurismo suave, esbatido até ao minimo do desejo de
prazer. Basta-lhe ver rosas e beber vinho. Uma brisa le-
ve, uma conversa sem intuito nem proposito, um
pucaro de vinho, flores, em isso, e em não
mais do que isso, põe o sabio persa o seu desejo maximo.
O amor agita e cansa, a acção dispersa e falha, ninguem
sabe saber e pensar embacia tudo. Mais vale pois cessar
em nós de desejar ou de esperar, de ter a pretensão fu-
til de explicar o mundo, ou o proposito estulto de o e-
mendar ou governar. Tudo é nada, ou, como se diz na
Anthologia Grega, "tudo vem da sem-razão", e é um grego,
e portanto um racional, que o diz.