O moço atava os embrulhos


O moço atava os embrulhos de todos os dias no frio crepuscular do escriptorio vasto. "Que grande trovão", disse, para ninguém, com um tom alto de "bons dias", o crudellissimo bandido. Meu coração começa a bater novo. O apocalypse tinha passado. /Fez-se uma pausa/.

E com que allivio — luz forte e clara, espaço, trovão duro — este troar proximo já afastado nos alliviava do que houvera. Deus cessara. Senti-me respirar com os pulmões inteiros. Reparo que estava pouco ar no escriptorio. Notei que havia alli outra gente, sem ser o moço. Todos haviam estado calados. Soou uma cousa tremula e crespa: era a grande folha espessa do Razão que o Moreira virara para deante, bruscamente, para verificar.


Título: O moço atava os embrulhos
Heterónimo: Bernardo Soares
Volume: I
Número: 134
Página: 145
Nota: [3-14, ms.];