O moço atava os embrulhos de todos os dias


O moço atava os embrulhos de todos os dias no frio crepuscular do escritório vasto. "Que grande trovão", disse para ninguém, com um tom alto de "bons dias", o crudelíssimo bandido. Meu coração começou a bater [de] novo. O apocalipse tinha passado. Fez-se uma pausa.

E com que alívio — luz forte e clara, espaço, trovão duro — este troar próximo já afastado nos aliviava do que houvera. Deus cessara. Senti-me respirar com os pulmões inteiros. Reparei que estava pouco ar no escritório. Notei que havia ali outra gente, sem ser o moço. Todos haviam estado calados. Soou uma coisa trémula e crespa: era a grande folha espessa do Razão que o Moreira virara para diante, bruscamente, para verificar.


Título: O moço atava os embrulhos de todos os dias
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 129
Página: 153
Nota: [3-14, ms.];