L. do D.
A minha vida é tão triste, e eu nem penso em choral-a; as minhas horas tão falsas, e eu nem sonho o gesto de partil-as.
Como não te sonhar? Como não te sonhar?
Senhora das Horas que Passam, Madona das aguas estagnadas e das algas mortas, Deusa Tutelar dos desertos abertos e das paysagens negras de rochedos estereis... — livra-me da minha mocidade.
Consoladora dos que não teem consolação, Lagryma dos que nunca choram, Hora que nunca sôa — livra-me da alegria e da felicidade.
— Opio de todos os silencios, Lyra para não se tanger, Vitral de lonjura e de abandono — faze com que eu seja odiado pelos homens e escarnecido pelas mulheres.
— Cymballo de Extrema-Uncção, / Caricia sem gesto, Pomba morta à sombra, Oleo das horas passadas a sonhar/ — livra-me da religião, porque é suave; e da descrença porque é forte;(...)
— Lyrio fanando à tarde, Cofre de rosas murchas, Silencio entre prece e prece — enche-me de nojo de viver, de ódio de ser são, de desprezo por ser jovem.
Torna-me inutil e esteril, ó Acolhedora de todos os sonhos vagos; faze-me puro sem razão para o ser, e falso sem amôr a sel-o, ó Agua Corrente das Tristezas Vividas; que a minha bôca seja uma paysagem de gêlos,
os meus olhos dois lagos mortos, os meus gestos um esfolhar lento de arvores velhinhas — ó Ladainha de Desasocegos, ó Missa-Rôxa de Cansaços, ó Corolla,
ó Fluido, ó Ascensão!...
(E) Que pena eu ter de te rezar como a uma mulher, e não te querer (...) como a um homem, e não te poder erguer os olhos do meu sonho como Aurora-ao-contrario do sexo irreal dos anjos que nunca entraram no céu!