(a)notações gráficas - Usa Jerónimo Pizarro(5)

Tu és do sexo das fórmas sonhadas


L. do D.

Tu és do sexo das fórmas sonhadas, do sexo nullo das figuras ☐

Mero perfil ás vezes, mera attitude outras vezes, outras gesto lento apenas — és momentos, attitudes, espiritualizadas em minha/s/.

Nenhum fascinio do sexo se / subentende / no meu sonhar-te, sob a tua veste vaga de madona dos silencios interiores. Os teus seios não são dos que se podem pensar em beijar-se. O teu corpo é todo elle carne-alma, mas não é alma é corpo. A materia da tua carne não é espirito mas é espiritual. És a mulher anterior á Queda, esculptura ainda d'aquelle barro que ☐ paraiso.

O meu horror ás mulheres reaes que teem sexo é a estrada por onde eu fui ao teu encontro. As da terra, que para serem ☐ teem de supportar o peso agitado de um homem — quem as pode amar, que não se lhe desfolhe o amôr na antevisão de prazer que serve ao sexo /enfernizado de negro/? Quem pode respeitar a Esposa sem ter de pensar que ella é uma mulher n'outra posição de copula. Quem não se enoja de ter mãe por ter sido tão vulvar na sua origem, tão nojentamente expellido para o mundo? Que nojo de nós não punge a idéa da origem carnal da nossa alma — d'aquelle irrequieto ☐ corporeo d'onde a nossa carne nasce, e, por bella que seja, se desfeia de origem e se nos enoja de nata.

Os idealistas falsos da vida-real douram de poesia á Esposa, ajoelham á idéa de Mãe... O seu modo de sonhar é uma veste que tapa, não é um sonho que crie.

Pura só tu [,] Senhora dos Sonhos, que eu posso conceber amante sem conceber macula porque és irreal. A ti posso-te conceber mãe [,] adorando-o, porque nunca te manchaste nem do horror de seres fecundada, nem do horror de parires.

Como não te adorar, se só tu és adoravel? Como não te amar, se só tu és digna do amor?

Quem sabe se sonhando-te eu não te crio, real n'outra realidade; se não serás minha alli, n'um outro e puro mundo, onde sem corpo tactil nos amaremos, com outro geito de abraços e outras attitudes essenciaes de posse/s/? Quem sabe mesmo se não existias já e não te criei mas te vi apenas, com outra visão, interior e pura, n'um outro e perfeito mundo? Quem sabe se o meu sonhar-te não foi o encontrar-te simplesmente, se o meu amar-te não foi o ver-te, se o meu desprezo pela carne e o meu nojo pelo amôr não fôram a obscura ancia com que, ignorando-te, te esperava, e a vaga aspiração com que, desconhecendo-te, te queria?

Não sei mesmo já [se] não te amei já, n'um vago onde cuja saudade este meu tedio perenne talvez seja. Talvez sejas uma saudade minha, corpo /de ausencia/, presença de Distancia, femea talvez por outras razões que não as de sel-o.

Posso pensar-te virgem e tambem mãe porque não és d'este mundo. A creança que tens nos braços nunca foi mais nova para que houvesses de a sujar de a ter no ventre. Nunca foste outra do que és e como não seres virgem portanto? Posso amar-te e tambem adorar-te porque o meu amor não te possue e a m[inha] adoração não te afasta.

Sê o Dia-Eterno e que os meus poentes sejam raios do teu sol, possui[n]do-se em ti!

Sê o Crepusculo Invisivel e que as minhas ancias e desasocegos sejam as tintas da tua indecisão as sombras da tua incerteza.

Sê a Noite Total, torna-te a Noite Unica e que todo eu me perca e me esqueça em ti, e que os meus sonhos brilhem, estrellas, no teu corpo de distancia e negação...

Seja eu as dobras do teu manto, as joias da tua / tiara /, e o ouro astreo dos anneis dos teus dedos.

Cinza na tua lareira, que importa que eu seja pó? Janella no teu quarto [,] que importa que eu seja espaço? Hora ☐ na tua clepsydra que importa que eu passe, se por ser teu ficarei, que eu morra se por ser teu não morrerei, que eu te perca se o perder-te é encontrar-te?

Realizadora dos absurdos, seguidora de frases sem sexo. Que o teu silencio me embale, que a tua ☐ me adormeça, que o teu mero-sêr me acaricie e me amacie e me conforte, ó heraldica do Além, ó imperial de /Ausencia/; Virgem-Mãe de todos os Silencios, Lareira das almas / que teem frio /, Anjo da guarda dos abandonados Paysagem humana — irreal de triste — eterna Perfeição.