L. do D.
Por facil que seja, todo o gesto representa ∧a viola-
ção d'um segredo espiritual. Todo o gesto é um
acto revolucionario [; um exilio, talvez, ∧da verda-
deira dos nossos propositos].
─────
A acção é uma doença do pensamento, um
cancro da imaginação. Agir é exilar-se. Toda
a acção é incompleta e imperfeita. O poema
que eu sonho não tem falhas senão quando
tento realizal-o. [No mytho de ∧Jesus está
escripto isto; Deus, ao tornar-se homem,
não pode acabar senão pelo martyrio. O ∧supremo sonhador
tem por filho o martyrio supremo supremo].
─────
As sombras rotas das folhagens, o
canto tremulo das aves, os braços estendidos
dos rios, trepidando ao sol o seu luzir ∧fresco,
as verduras, as papoulas, e a simplicidade das
sensações — ao sentir isto, sinto d'elle saudades,
como se ao sentil-o o não sentisse.
─────
As horas, como um carro ao entardecer, regressam
chiando pelas sombras dos meus pensamentos. Se ergo
os olhos de sobre o meu pensamento, elles ardem-me
do espectaculo do mundo.
Para realizar um sonho é preciso esquece-lo,
distrahir d'elle a attenção. Porisso realizar é
não realizar. A vida está cheia de paradoxos
como as rosas de espinhos.
─────
Eu desejaria fazer a apotheose de uma
incoherencia nova, que ficasse sendo como que
a constituição negativa da nova anarchia
das almas. Compilar um digesto dos meus so-
nhos pareceu-me sempre que seria util á huma-
nidade. Porisso mesmo me abstive de o tentar. A
idéa de que o que eu fazia pudesse ser apro-
veitavel magoou-me, seccou-me para mim.
─────
Tenho quintas nos arredores da Vida. Passo
ausencias da Cidade da minha Acção entre as
∧arvores e as flores do meu devaneio. Ao
meu retiro verde nem chegam os eccos da
vida dos meus gestos. Durmo a minha memo-
ria como procissões infinitas. Nos calices da
minha meditação só bebo o sorriso do vinho louro;
só ∧o bebo com ∧os olhos, fechando-os, e a Vida passa
como uma vella longinqua.
Os dias de sol sabem-me ao que eu não tenho.
O céu azul, e as nuvens brancas, as arvores, a
flauta que alli falta — eclogas incompletas pelo
estremecimento dos ramos... Tudo isto é a
harpa muda por onde eu roço a leveza dos meus
dedos.
A academia vegetal dos silencios... teu nome
soando como as papoulas... os tanques... o meu
regresso... o padre ∧louco que endoideceu na missa...
Estas recordações são dos meus sonhos... Não fecho
os olhos, mas não vejo nada... Não estão aqui as
cousas que vejo... Aguas ∧As algas ∧Metaes...
─────
Numa confusão de emmaranhamentos, o
verdor das arvores é parte do meu sangue.
Bate-me a vida no coração distante... Eu
não fui destinado a realidade, e a vida quiz
vir ter commigo.
─────
A tortura do destino! Quem sabe se morrerei
amanhã! Quem sabe se não vae acontecer-me
hoje qualquer cousa de terrivel para a minha alma!... Ás
vezes, quando penso n'estas cousas, apavora-me
a tyrannia suprema ∧superior que nos faz ter de dar
passos não sabendo de que acontecimento
a incerteza de mim vae ao encontro.