Por facil que seja


L. do D.

Por facil que seja, todo o gesto representa a viola-
ção d'um segredo espiritual. Todo o gesto é um
acto revolucionario [; um exilio, talvez, da verda-
deira
          dos nossos propositos].
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A acção é uma doença do pensamento, um
cancro da imaginação. Agir é exilar-se. Toda
a acção é incompleta e imperfeita. O poema
que eu sonho não tem falhas senão quando
tento realizal-o. [No mytho de Jesus está
escripto isto; Deus, ao tornar-se homem,
não pode acabar senão pelo martyrio. O supremo sonhador
tem por filho o martyrio supremo supremo].
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As sombras rotas das folhagens, o
canto tremulo das aves, os braços estendidos
dos rios, trepidando ao sol o seu luzir fresco,
as verduras, as papoulas, e a simplicidade das
sensações — ao sentir isto, sinto d'elle saudades,
como se ao sentil-o o não sentisse.
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As horas, como um carro ao entardecer, regressam
chiando pelas sombras dos meus pensamentos. Se ergo
os olhos de sobre o meu pensamento, elles ardem-me
do espectaculo do mundo.


2.

Para realizar um sonho é preciso esquece-lo,
distrahir d'elle a attenção. Porisso realizar é
não realizar. A vida está cheia de paradoxos
como as rosas de espinhos.
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Eu desejaria fazer a apotheose de uma
incoherencia nova, que ficasse sendo como que
a constituição negativa da nova anarchia
das almas. Compilar um digesto dos meus so-
nhos pareceu-me sempre que seria util á huma-
nidade. Porisso mesmo me abstive de o tentar. A
idéa de que o que eu fazia pudesse ser apro-
veitavel magoou-me, seccou-me para mim.
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Tenho quintas nos arredores da Vida. Passo
ausencias da Cidade da minha Acção entre as
arvores e as flores do meu devaneio. Ao
meu retiro verde nem chegam os eccos da
vida dos meus gestos. Durmo a minha memo-
ria como procissões infinitas. Nos calices da
minha meditação só bebo o sorriso do vinho louro;
o bebo com os olhos, fechando-os, e a Vida passa
como uma vella longinqua.

Os dias de sol sabem-me ao que eu não tenho.
O céu azul, e as nuvens brancas, as arvores, a
flauta que alli falta — eclogas incompletas pelo
estremecimento dos ramos... Tudo isto é a
harpa muda por onde eu roço a leveza dos meus
dedos.


3.
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A academia vegetal dos silencios... teu nome
soando como as papoulas... os tanques... o meu
regresso... o padre louco que endoideceu na missa...
Estas recordações são dos meus sonhos... Não fecho
os olhos, mas não vejo nada... Não estão aqui as
cousas que vejo... Aguas As algas Metaes...
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Numa confusão de emmaranhamentos, o
verdor das arvores é parte do meu sangue.
Bate-me a vida no coração distante... Eu
não fui destinado a realidade, e a vida quiz
vir ter commigo.
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A tortura do destino! Quem sabe se morrerei
amanhã! Quem sabe se não vae acontecer-me
hoje qualquer cousa de terrivel para a minha alma!... Ás
vezes, quando penso n'estas cousas, apavora-me
a tyrannia suprema superior que nos faz ter de dar
passos não sabendo de que acontecimento
a incerteza de mim vae ao encontro.


Identificação: bn-acpc-e-e3-5-1-85_0126_63_t24-C-R0150 | bn-acpc-e-e3-5-1-85_0127_63v_t24-C-R0150 | bn-acpc-e-e3-5-1-85_0128_64_t24-C-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (22.4cm X 16.5cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Com marca LdoD
Manuscrito (pen) : Testemunho manuscrito a tinta preta.
Data: 1914 (low)
Nota: LdoD, Texto escrito em duas folhas (recto e verso da primeira e recto da segunda). A primeira das folhas tem a marca de água "ALMASSO 1ª". Informa Pizarro (2010: 669): "um manifesto interseccionista de circa 1914 encontra-se em dois fragmentos de papel com a marca de água ALMASSO 1ª".
Fac-símiles: BNP/E3, 5-63-64r.1 , BNP/E3, 5-63-64r.2 , BNP/E3, 5-63-64r.3