Não me indigno, porque a indignação


Não me indigno, porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silencio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. Soffro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista, entretenho-me a tecer musicaes as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme / me / parece melhor á minha idea de os achar bellos.

Só lamento o não ser creança, para que pudesse crêr nos meus sonhos, o não ser doido para que pudesse affastar da alma de todos os que me cercam, de ser ☐

Tomar o sonho por real, viver demasiado os sonhos deu-me este espinho á rosa falsa de minha /sonhada/ vida: / que nem os sonhos me agradam, porque lhes acho defeitos /.

Nem com pintar esse vidro de sonhos coloridos me occulto o rumor da vida alheia ao meu obtel-a, do outro lado.

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Ditosos os fazedores de systemas pessimistas! Não só se amparam a ter feito qualquer cousa, como tambem se alegram do explicado, e se incluem na dôr universal.

Eu não me queixo pelo mundo. Não protesto em nome do universo. Não sou pessimista. Soffro e queixo-me, mas não sei se o que ha de geral é o soffrimento nem sei se é humano soffrer. Que me importa saber se isso é certo ou não?

Eu soffro, não sei se merecidamente. (Corça perseguida).

Eu não sou pessimista, sou triste.


Título: Não me indigno, porque a indignação
Heterónimo: Não atribuído
Número: 34
Página: 40
Data: 1913 (low)
Nota: [8-9];