Não me indigno, porque a indignação


Não me indigno porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. Sofro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista, entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me parece melhor à minha ideia de os achar belos.

Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos, o não ser doido para que pudesse afastar da alma de todos os que me cercam, de ser (...)

Tomar o sonho por real, viver demasiado os sonhos deu-me este espinho à rosa falsa de minha /sonhada/ vida: que nem os sonhos me agradam, porque lhes acho defeitos.


Título: Não me indigno, porque a indignação
Heterónimo: Vicente Guedes
Número: 37
Página: 79
Nota: [8-9, ms.];