Não me indigno, porque a indignação


Não me indigno, porque a indignação é para os fortes; não me resigno, porque a resignação é para os nobres; não me calo, porque o silêncio é para os grandes. E eu não sou forte, nem nobre, nem grande. Sofro e sonho. Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista, entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me parece melhor a minha ideia de os achar belos.

Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos, o não ser doido para que pudesse afastar da alma de todos os que me cercam, ☐

Tomar o sonho por real, viver demasiado os sonhos deu-me este espinho à rosa falsa de minha sonhada vida: que nem os sonhos me agradam, porque lhes acho defeitos.

Nem com pintar esse vidro de sonhos coloridos me oculto o rumor da vida alheia ao meu olhá-la, do outro lado.

Ditosos os fazedores de sistemas pessimistas! Não só se amparam de ter feito qualquer coisa, como também se alegram do explicado, e se incluem na dor universal.

Eu não me queixo pelo mundo. Não protesto em nome do universo. Não sou pessimista. Sofro e queixo-me, mas não sei se o que há de mal é o sofrimento nem sei se é humano sofrer. Que me importa saber se isso é certo ou não?

Eu sofro, não sei se merecidamente. (Corça perseguida).

Eu não sou pessimista, sou triste.


Título: Não me indigno, porque a indignação
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 127
Página: 151
Nota: [8-9, ms.];