O sonho é a pior das drogas


O sonho é a pior das drogas, porque é a mais natural de todas. Assim se insinua nos hábitos com a facilidade que uma das outras não tem, se prova sem se querer, como um veneno dado. Não dói, não descora, não abate — mas a alma que dele usa fica incurável, porque não há maneira de se separar do seu veneno, que é ela mesma.

Como um espectáculo na bruma ☐

Aprendi nos sonhos a coroar de imagens as frontes ☐ do quotidiano, a dizer o comum com estranheza, o simples com derivação, a dourar, com um sol de artifício, os recantos e os móveis mortos e [a] dar música, como para me embalar, quando as escrevo, às frases fluidas da minha fixação.


Título: O sonho é a pior das drogas
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 173
Página: 190
Nota: [15(1)-73, ms.];