"De que diabo está você a rir"


"De que é que você se está diabo está você a rir", perguntou-me sem mal a
voz do Moreira de entre para lá das duas prateleiras
do meu alçado.

"Era uma troca de nomes que eu ia fazendo...", e
acalmei pulmões ao fallar.

"Ah", disse o Moreira rapidamente, e a paz
poeirosa desceu de novo sobre o escriptorio e sobre mim.

O senhor Visconde de Chautebriand aqui a fazer
contas! O senhor professor Amiel aqui num banco
alto real! O senhor Conde Alfred de Vigny a
debitar o Grandella! Senancour nos Douradores!

Nem o Bourget, coitado, que custa a
ler como uma escada sem elevador...
Volto-me para trás do parapeito para ver bem de novo o
meu Boulevard de Saint Germain, e justamente
nesta altura o socio do roceiro está
cuspindo a cuspir dar cuspo para a rua.

E entre pensar tudo isto e estar fumando,
e não ligar bem uma coisa e outra, o
riso mental encontra o fumo, e,
embrulhando-se na garganta, expande-se num
ataque timido de riso audivel.



Identificação: bn-acpc-e-e3-133g-1-100_0059_30_t24-C-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (21.8cm X 32.5cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Sem marca LdoD
Manuscrito (pen) : Testemunho manuscrito a tinta preta.
Data: 1930 (low)
Nota: , Texto escrito no recto de uma folha de papel almaço com marca de água "LOUZÃ LEMOS". Uma marcação de Pessoa revê a ordenação da sequência de parágrafos, com a transposição do 2º parágrafo para a 3ª posição. No verso da folha figura um fragmento escrito a lápis. Segundo Pizarro, trata-se de material "preparatório de uma entrevista publicada na 'Revista Portuguesa', n.º 23-24, Lisboa, 13 de Outubro de 1923" (2010: 831). Pizarro transcreve este testemunho (133G-30v) como anexo ao texto 283 (2010: 831-832).
Fac-símiles: BNP/E3, 133G-30r.1 , BNP/E3, 133G-30r.2