Edição do Arquivo LdoD - Usa (BNP/E3, 1-4)

Quedar-nos-hemos indifferentes à verdade


Quedar-nos-hemos indifferentes à verdade ou mentira
de todas as religiões, de todas as philosophias, de to-
das as hypotheses inutilmente verificaveis a que chamamos
sciencias. Tampouco nos preoccupará o destino da chamada
humanidade, ou o que soffra ou não soffra em seu conjunc-
to. Caridade, sim, para com o "proximo", como no Evange-
lho se diz, e não com o homem, de que nelle se
não falla. E todos, até certo poncto assim somos: que
nos pesa, ao melhor de nós, um massacre na China? Mais
nos doe, ao que de nós mais imagine, a bofetada injusta
que vimos dar na rua a uma creança.

Caridade para com todos, intimidade com nenhum. As-
sim interpreta Fitzgerald, em um passo de uma sua nota,
qualquer cousa da etica de Khayyam.


Recommenda o Evangelho amor ao pro-
ximo: não diz amor ao homem ou à humanidade, de que ver-
dadeiramente ninguem pode curar.


Perguntar-se-ha talvez se faço minha a philosophia
de Khayyam, tal como aqui, creio que com justeza, a es-
crevi de novo e interpreto. Responderei que não sei. Ha
dias em que essa me parece a melhor, e até a unica, de
todas as philosophias practicas. Ha outros dias em que
me parece nulla, morta, inutil, como um
copo vazio. Não me conheço, porque penso. Não sei pois
o que verdadeiramente penso. Não seria assim se tivesse
fé; mas tambem não seria assim se estivesse louco. Na
verdade, se fosse outro seria outro.

Para além d'estas cousas do mundo profano,
ha, é certo, as lições secretas das ordens iniciá-
ticas, os mysterios declarados patentes, quando secretos,
ou velados, quando os figuram ritos publicos.
Ha o que está occulto ou meio-occulto nos
grandes ritos catholicos seja no Ritual de
Maria na Igreja Romana, seja a Cerimonia
do Espirito na Franco-Maçonaria.


Mas quem nos diz, afinal, que o iniciado, quando
incola dos penetraes dos mysterios, não é senão
avara presa da nossa nova fáce da illusão? Que é
a certeza que tem, se mais firme que elle a
tem um louco no que lhe é loucura? Dizia
Spencer que o que sabemos é uma esphera
que, quanto mais se alarga, em tantos
mais pontos tem contacto com o que
não sabemos (sabemos nunca). Nem
me esquecem, neste capitulo do que as
iniciações podem ministrar, as palavras
terriveis de um mestre da Magia "Já
vi Isis" diz, "já toquei em Isis: não
sei contudo se ella existe".


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O poeta persa Mestre do desconsolo e da desillusão.