Tese - Usa (BNP/E3, 4-78-79)

Tu és do sexo das fórmas sonhadas


        L. do D.

Tu és do sexo das fórmas sonhadas, do
sexo nullo das figuras            .
Mero perfil ás vezes, mera attitude
outras vezes, outras gesto lento apenas —
és momentos, attitudes, espiritualiza-
das em minha(s).

Nenhum fascinio do sexo se subentende
no meu sonhar-te, sob a tua veste
vaga de madonna dos silencios
interiores. Os teus seios não são
dos que se podem pensar em beijar-se. O
teu corpo é todo elle carne-alma, mas
não é alma é corpo. A materia da tua
carne não é espiritual
mas é espiritualidade.
( És a mulher
anterior á Queda, esculptura
ainda d'aquelle barro que
paraiso )

O meu horror ás mulheres reaes que
teem sexo é a estrada por onde eu
fui ao teu encontro. As da terra,
que para serem         teem de
supportar o peso movediço agitado de um homem —
quem as pode amar, que não se lhe des-
folhe o amôr na antevisão do prazer que
serve ao sexo enfernizado de negro? Quem
pode respeitar a Esposa sem ter de


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pensar que ella é uma mulher n'outra
posição de copula. Quem não se enoja
de ter mãe por ter sido tão vulvar
na sua origem, tão nojentamente parido expellido para a luz o mundo?
Que nojo de nós não punge a idéa
da origem carnal da nossa alma —
d'aquelle irrequieto           corporeo d'onde
a nossa carne nasce, e, por bella que seja,
se desfeia de origem e se nos enoja de nata.

Os idealistas falsos da vida-real
fazem versos douram de poesia á Esposa, ajoelham á idéa
de Mãe... O seu idealismo modo de sonhar é
uma veste que tapa, não é um
sonho que crie.

Pura, só tu, Senhora dos
Sonhos, que eu posso conceber amante
sem conceber macula porque és irreal.
A ti posso-te conceber mãe, adorando-o, porque nunca
te manchaste nem do horror de
seres fecundada, nem do horror
          de parires.

Como não te adorar, se só tu
és adoravel? Como não te amar,
se só tu és digna do amor?

Quem sabe se sonhando-te eu não te
crio, real n'outra realidade; se não serás
minha alli, n'um outro e puro mundo,


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onde sem corpo tactil nos amemos amaremos, com
outro geito de abraços e outras attitudes
essenciaes de posse(s)? Quem
sabe mesmo se não existias já e
não te criei mas te vi apenas, com
outra visão, interior e pura, n'um
outro e perfeito mundo? Quem sabe
se o meu sonhar-te não foi o en-
contrar-te simplesmente, se o meu
amar-te não foi o pensar-em-ti ver-te, se
o meu desprezo pela carne e o meu nojo
pelo amôr não fôram a obscura
ancia com que, ignorando-te, te esperava,
e a vaga aspiração com que, desconhecendo-
te, te queria?

Não sei mesmo já [se] não te amei já,
n'um vago onde cuja saudade
este meu tedio perenne
talvez seja. Talvez sejas uma saudade
minha, corpo de ausencia, presença
de Distancia, femea talvez por outras razões
que não as de sel-o.

Posso pensar-te virgem e tambem mãe porque
não és d'este mundo.
A creança que tens nos braços nunca foi
mais nova para que houvesses de a sujar de
a ter no ventre. Nunca foste outra do que és
e como não seres virgem portanto?
Posso amar-te
e tambem adorar-te porque o meu amor não
te possue e a minha adoração
não te affasta.


─────

Sê o Dia-Eterno e que os meus
poentes sejam raios do teu sol, possui-
dos do-se em ti!

Sê o Crepusculo Invisivel
e que as minhas ancias e desasocegos
sejam as tintas da tua indecisão
as sombras da tua incerteza.

Sê a Noite Total, torna-te a
Noite Unica e que todo eu
me perca e me esqueça em ti, e que os
meus sonhos brilhem, estrellas, no teu
corpo de distancia e negação...

Seja eu as dobras do teu manto,
as joias da tua tiara, e o ouro astreo
dos anneis dos teus dedos.

Cinza na tua lareira, que importa
que eu seja pó? Janella no teu
quarto que importa que eu seja espaço?
Hora                     na tua clepsydra que
importa que eu passe, se por ser teu ficarei, que eu morra se por ser teu não
                          morrerei, que eu te perca se o perder-te
é encontrar-te?

Realizadora dos absurdos,
seguidora de frases sem nexo sexo.
Que o teu silencio me embale, que
a tua             me adormeça, que
o teu mero-sêr me acaricie
e me amacie e me conforte,
ó heraldica do Além, ó imperial
de Ausencia; Virgem-Mãe de todos os Silencios,
Lareira das
almas que teem frio,
Anjo da guarda dos abandonados

Paysagem
humana — irreal
de triste — eterna
Perfeição.