Semântica da Vida - Usa (BNP/E3, 7-18)

Mesmo que eu quizesse crear


L. do D.

Mesmo que eu quizesse crear,...

A unica arte verdadeira é a da construcção.
Mas o meio moderno torna impossivel o appareci-
mento de qualidades de construcção no spirito.

Porisso se desenvolveu a sciencia. A unica
Cousa em que ha construcção, hoje, é uma machina;
o unico argumento em que ha encadeamento o
de uma demonstração mathematica.

O poder de crear precisa de ponto de apoio,
da muleta da realidade.

                    ─────

A arte é uma sciencia...
                    ─────


Soffre rhythmicamente.
                    ──────────

Não posso ler, porque a minha critica hyper acesa
não descortina senão defeitos, imperfeições, possibilidades de
melhor. Não posso sonhar, porque sinto o sonho tão
vivamente que o comparo com a realidade, de modo que
sinto logo que elle não é real; e assim o seu valor des-
apparece. Não posso entreter-me na contemplação
innocente das cousas e dos homens, porque a ansia de
a aprofundar é inevitável, e, desde que o meu interesse
não pode existir sem ella, ou há-de morrer ás mãos d'ella,
ou seccar.
                    ─────

Não posso entreter-me com a especulação metaphysica
porque sei de sobra, e por mim, que todos os systemas são de-
fensaveis e intelectualmente possiveis; e, para gosar a arte intellectual de
construir systemas, falta-me o poder esquecer que o
fim da speculação metaphysica é a procura da verdade.

Um passado feliz em cuja lembrança torne a ser feliz; sem
nada no presente que me alegre ou me interesse, sem sonho ou
hypotese de futuro que seja differente d'este presente, ou
possa ter outro passado que esse passado — jazo a minha
vida, consciente espectro de um paraiso em que nunca
estive, cadáver -nado das minhas esperanças por haver.

Felizes os que soffrem com unidade! Aquelles, a quem a angustia
altera mas não divide, que crêem, ainda que na descrença, e podem


sentar-se ao sol sem pensamento reservado.