L. do D.
Viver do sonho e para o sonho, desmanchando o universo e recompondo-o (distrahidamente) confere mais apego ao nosso momento de sonhar. Fazer isto consciente, muito conscientemente, da inutilidade e (…) de o fazer. Ignorar a vida com todo o corpo, perder- se da realidade com todos os sentidos, abdicar do amor com toda a alma. Encher de areia vã os cantaros da nossa ida à fonte e despejal-os para os tornar a encher e despejar, futilissimamente.
Tecer grinaldas para, logo que acabadas, as desmanchar totalmente e minuciosamente.
Pegar em tintas e mistural-as na paleta sem tela ante nós onde pintar. Mandar vir pedra para burilar sem ter buril nem ser esculptor. Fazer de tudo um absurdo (alongar em futeis todas as nossas (...) horas ). Jogar às escondidas com a nossa consciencia de viver.
Esculpir em silencio nullo todos os nossos sonhos de fallar. Estagnar em torpor todos os nossos pensamentos de acção.
Ouvir as horas dizer-nos que existimos com um sorriso deliciado e incredulo. Ver o Tempo pintar o mundo e achar o quadro não só falso mas vão.
Pensar em phrases que se contradigam, fallando alto em sons que não são sons e côres que não são côres. Dizer e comprehendel-o, o que é aliás impossível — que temos consciencia de não ter consciencia, e que não somos o que somos. Explicar isto tudo por um sentido oculto e paradoxo que as cousas tenham no seu aspecto outro-lado e divino, e não acreditar demasiado na explicação para que não hajamos de a abandonar. E sobre tudo isto, como um ceu uno e azul, o horror de viver paria e alheadamente.
Mas as paysagens sonhadas são apenas fumos de paysagens conhecidas e o tedio de as sonhar também é quasi tão grande como o tedio de olharmos para o mundo.