Jacinto do Prado Coelho - edição anotada - Usa Jacinto do Prado Coelho(368)

As phrases que nunca escreverei


L. do D.

As phrases que nunca escreverei, as paisagens que não poderei nunca descrever, com que clareza as dicto à minha inercia e as descrevo na minha meditação, quando, recostado, não pertenço, se não lonquiquamente, à vida. Talho phrases inteiras, perfeitas palavra a palavra, contexturas de dramas narram-se-me construidas no espirito, sinto o movimento metrico e verbal de grandes poemas em todas as palavras, e um grande [...] como um escravo que não vejo, segue-me na penumbra. Mas se der um passo, da cadeira, onde jazo estas sensações quasi cumpridas, para a meza onde quereria escrevel-as, as palavras fogem, os dramas morrem, do nexo vital que uniu o murmurio rhytmico não ficou mais que uma saudade longinqua, um resto de sol sobre montes afastados, um vento que ergue as folhas ao pé do limiar deserto, um parentesco nunca revelado, a orgia dos outros, a mulher, que a nossa intuição diz que olharia para traz, e nunca chega a existir.

Projectos, tenho-os tido todos. A Iliada Iliada que compuz teve uma logica de estimulo, uma concatenação organica de epodos que Homero não podia conseguir. A perfeição estudada dos meus versos por completar em palavras deixa pobre a precisão de Virgilio e frouxa a força de Milton. As satiras allegoricas que fiz excederam todas a Swift na precisão symbolica dos particulares exactamente ligados. Quantos /Verlaines/ fui!

E sempre que me levanto da cadeira onde, na verdade, estas cousas não foram absolutamente sonhadas, tive [sic] a dupla tragedia de as saber nullas e de saber que não foram todas sonho, que alguma cousa ficou d'ellas no limiar abstracto em eu pensar e ellas serem.

Fui genio mais que nos sonhos e menos que na vida. A minha tragedia é esta. Fui o corredor que cahiu quasi na meta, sendo, até ahi, o primeiro.