Leitura Crítica 2 - Usa Jacinto do Prado Coelho(256)

Tu és do sexo das formas sonhadas


L. do D.

Tu és do sexo das formas sonhadas, do sexo nullo das figuras (…)

Mero perfil às vezes, mera attitude outras vezes, outras gesto lento apenas — és momentos, attitudes, espiritualizadas em /minha(s)/.

Nenhum fascinio do sexo se / subentende / no meu sonhar-te, sob a tua veste vaga de madonna dos silencios interiores. Os teus seios não são dos que se pudesse pensar em beijar-se. O teu corpo é todo elle carne-alma, mas não é alma é corpo. A materia da tua carne não é espiritual mas é espiritualidade. ( És a mulher anterior à Queda ) [...]

O meu horror às mulheres reaes que teem sexo é a estrada por onde eu fui ao teu encontro. As da terra, que para serem (…) teem de supportar o peso movediço de um homem — quem as pode amar, que não se lhe desfolhe o amor na antevisão do prazer que serve [?] o sexo [...]? Quem pode respeitar a Esposa sem ter de pensar que ella é uma mulher n'outra posição de copula... Quem não se enoja de ter mãe por ter sido tão vulvar na sua origem, tão nojentamente parido? Que nojo de nós não punge [?] a idéa da origem carnal da nossa alma — d'aquelle inquieto (...) corporeo d'onde a nossa carne nasce, e, por bella que seja, se desfeia de origem e se nos enoja de nata.

Os idealistas falsos da vida-real fazem versos à Esposa, ajoelham à idéa de Mãe... O seu idealismo é uma veste que tapa, não é um sonho que crie.

Pura só tu, Senhora dos Sonhos, que eu posso conceber amante sem conceber macula porque és irreal. A ti posso-te conceber mãe, adorando-o, porque nunca te manchaste nem do horror de seres fecundada, nem do horror de parires.

Como não te adorar se só tu és adoravel? Como não te amar se só tu és digna do amor?

Quem sabe se sonhando-te eu não te crio, real n'outra realidade; se não serás minha alli, n'um outro e puro mundo onde sem corpo tactil nos amemos, com outro geito de abraços e outras attitudes essenciaes de posse(s)? Quem sabe mesmo se não existirás já e não te criei nem te vi apenas, com outra visão, interior e pura, n'um outro e perfeito mundo? Quem sabe se o meu sonhar-te não foi o encontrar-te simplesmente, se o meu amar-te não foi o pensar-em-ti, se o meu desprezo pela carne e o meu nojo pelo amôr não fôram a obscura ancia com que, ignorando-te, te esperava, e a vaga aspiração com que, desconhecendo-te, te queria?

Não sei mesmo já [se] não te amei já, n'um vago onde cuja saudade este meu tedio perenne talvez seja. Talvez sejas uma saudade minha, / corpo de ausencia/, presença de Distancia, femea talvez por outras razões que não as de sel-o.

Posso pensar-te virgem e tambem mãe porque não és d'este mundo. A creança que tens nos braços nunca foi mais nova para que houvesses de a sujar de a ter no ventre. Nunca foste outra do que és e como não seres virgem portanto? Posso amar-te e tambem adorar-te porque o meu amor não te possue e a minha adoração não te affasta.

Sê o Dia-Eterno e que os meus poentes sejam raios do teu sol, possuidos em ti!

Sê o Crepusculo Invisivel [?] e que as minhas ancias e desasocegos sejam as tintas da tua indecisão, as sombras da tua incerteza.

Sê a Noite-Total, torna-te a Noite Unica e que todo eu me perca e me esqueça em ti, e que os meus sonhos brilhem, estrelas, no teu corpo de distancia e negação...

Seja eu as dobras do teu manto, as joias da tua / tiara /, e o ouro outro dos anéis dos teus dedos.

Cinza na tua lareira, que importa que eu seja pó? Janella no teu quarto que importa que eu seja espaço? Hora (…) na tua clepsydra que importa que eu passe se por ser teu ficarei, que eu morra se por ser teu não morrer, que eu te perca se o perder-te é encontrar-te?

Realizadora dos absurdos, seguidora [?] de frases sem nexo. Que o teu silencio me embale, que a tua (...) me adormeça, que o teu mero-sêr me acaricie e me amacie e me conforte, ó [...] do Além, ó imperial de /Ausencia/ Virgo-Mãe de todos os silencios, Lareira das almas que têm frio, Anjo da guarda dos abandonados Paysagem humana — irreal [?] de triste — eterna Perfeição.