De resto eu não sonho
De resto eu não sonho, eu não vivo. Sonho
a vida real. Todas as naus são
naus de sonho, logo que esteja em
nós o poder de (as) sonhar. O
que mata o sonhador é não viver
quando sonha; o que fere o agente
é não sonhar quando vive. Eu fundi
n'uma côr una de
felicidade a belleza do
sonho e a realidade da
vida. Por mais que possuamos um sonho
nunca se possue um sonho tanto
como se possue o lenço que
se tem na algibeira, ou, se quizermos,
como se possue a nossa propria carne.
Por mais que se viva a vida em
plena e desanimada ∧e turbulenta acção, nunca
desaparecem o do contacto com os
outros, o tropeçar em obstaculos, ainda
que minimos, o sentir o tempo decorrer.
Matar o sonho é
matar-mo-nos. É
mutilar a nossa alma.
O sonho é o que ∧temos
de realmente nosso,
de impenetravelmente
e inexpugnavelmente
nosso.
∧O Universo, a Vida, —
seja isso real ou illusão —
é de todos, todos podem
vêr o que eu vejo, e possuir
o que eu possuo — ou, pelo
menos, pode conceber-se
vendo-o e possuindo e isso
é
Mas o que eu sonho ninguem
pode vêr senão eu, ninguem
a não ser eu possuir. E
se do mundo exterior o meu
vel-o differe de como outros
o veem, isso
vem do que do
sonho meu eu
ponho em vel-o
sem querer, do
que do sonho meu
se colla a meus
olhos e
ouvidos.