Às vezes, em sonhos distraídos
Ás vezes, em sonhos distrahidos, que me surgem
das esquinas do pensamento e da emoção, visiono
amores. Uma vez me encontro desenrolando um enredo
de uma paixão correspondida por uma tuberculosa ge-
nio,
que havia escripto o seu livro immortal na es-
perança
de não sei quê, sempre, coitada, á janella
da casa caiada. Outras vezes é a marqueza, que mora
na quinta alta, que, quando me conheceu residente
perto de alli onde eu nunca estaria, me attrahe a
si sem querer; o nosso amor desenvolve-se sem histo-
ria,
e ha uma grande conclusão. Outras vezes ainda
o romantismo deixa as tuberculosas e a aristocracia,
e ha uma grande simplicidade nos desejos sonhados:
ella foi encontrada entre a vida como uma flor entre
hervas altas, colhi-a para o meu lar limpo e lindo,
e a nossa vida, pelo menos até onde vae o
sonho, dorme quietudes entre sinceridades, e tudo é
afago e
Ah, que enredos complexos, em convezes de navios,
em ilhas distantes, em hoteis universaes, em viagens
passageiras, me não encantam a distracção como vesti-
dos
expostos.
Mas, de repente, e com um regresso de pesadello
estatelado, desperto do meu romantismo sexual, e córo
a sós commigo de fazer com a mente de dentro a mesma
coisa que fazem todos os homens. E tenho, como timbre
de fidalguia phraseada, a vantagem ridicula de con-
tra.
Sim, ás vezes, sonho d'este modo. Às vezes sou
costureira masculina, e tenho principes, que são
princezas, e muitas vezes são outra coisa, na imagi-
nação inevitavel.
E então acordado de todo, rio, quasi alto, de
me ver assim, como se me visse nu por baixo da nudez,
como se me conhecesse esqueleto da alma, e uma ale-
gria ponteaguda valsa nos meus devaneios. Que tris-
teza!