Cansamo-nos de tudo


Cansamo-nos de tudo, excepto de comprehender. O sentido da phrase é por vezes difficil de attingir.

Cansamo-nos de pensar para chegar a uma conclusão, porque quanto mais se pensa, mais se analysa, mais se distingue, menos se chega a uma conclusão.

Cahimos então naquelle estado de inercia em que o mais que queremos é comprehender bem o que é exposto — uma attitude esthetica, poisque queremos comprehender sem nos interessar, sem que nos importe que o comprehendido seja ou não verdadeiro, sem que vejamos mais no que comprehendemos senão a fórma exacta como foi exposto, a posição de belleza racional que tem para nós.

Cansamo-nos de pensar, de ter opiniões nossas, de querer pensar para agir. Não nos cansamos, porém, de ter, ainda que transitoriamente, as opiniões alheias, para o unico fim de sentir o seu influxo e não seguir o seu impulso.


Título: Cansamo-nos de tudo
Heterónimo: Não atribuído
Número: 578
Página: 512
Nota: [138-87r];
Nota: Jerónimo Pizarro edita este texto em apêndice, no conjunto "Textos sem destinação certa inventariados fora do núcleo" (2010: 490-516).